512 - EURICO

Tendo sido Carlos Alhinho o primeiro português, Derlei o primeiro a estrangeiro e Otto Glória o primeiro treinador a representar os três "grandes", então, Eurico foi o primeiro que conseguiu ser campeão por todos eles!!!
Claro que estes factos servem para apimentar uma qualquer história. No entanto, há muito mais a dizer de Eurico, e por trás do jogador houve sempre um Homem de convicções inabaláveis. Foi essa mesma determinação que, ainda muito novo, o fez deixar Trás-os-Montes para, em Lisboa, correr atrás do intuito de jogar pelo Benfica. Mas como em tudo na vida, há prioridades que nos condicionam e quando o salário oferecido pelos "Encarnados", se mostrou muito aquém daquele que recebia na oficina onde, entretanto, se tinha empregado, o jovem rapaz acabaria por recuar no seu sonho de vestir a camisola das "Águias".
Em Odivelas, e porque aí o jogo da bola não lhe roubava tempo ao ofício que punha o dinheiro em casa, aceita jogar pelo emblema local. Apesar de afastado da "Luz", os responsáveis do clube, sabendo do seu valor, acabariam por nunca o perder de vista. Então, passado um ano sobre a primeira investida, o Benfica volta a carga. Desta feita, um acréscimo substancial na proposta salarial, acabaria por convencer Eurico a ingressar nos juvenis. Daí em diante, o caminho trilhado pelos escalões de formação, leva-o à categoria principal. Ora, se naturalmente aí chegou, também seria com naturalidade que o defesa central se haveria de impor no sector mais recuado da equipa. Não pensem que a tarefa foi fácil! Claro que não! Mas muito para além do peso da camisola, a responsabilidade que sobre si recaia, estava acrescida de outra coisa. É que a sua chamada, por essa altura, servia para colmatar a saída de Humberto Coelho, que havia assinado pelo PSG.
Certo do seu valor, Eurico haveria de fazer da sua presença no "onze" benfiquista, algo de muito valioso. Esse estatuto consegui-lo-ia manter quase até ao fim da sua estadia no Benfica, altura em que, por desentendimentos com a direcção, haveria de assinar pelo Sporting - "No final dos anos 70, havia o livre direito de opção no final do contrato. Só não podíamos sair para o estrangeiro. Nantes e St. Etienne interessaram-se por mim mas o Benfica não me deixou sair. Então, quando os meus três anos de contrato estavam quase no fim, pedi um aumento de 15 contos por mês para renovar. Um dirigente disse-me que não, que era um jogador da casa e não acreditou na minha saída"*.
Com esta situação, os "Leões" acabavam de ganhar, a custo zero, um reforço de peso. Ágil no desarme, inteligente no seu entendimento do jogo e fortíssimo tanto nas bolas aéreas como nas marcações, Eurico era o verdadeiro esteio da defesa "verde e branca". Com tantos predicados, acabaria por se tornar num dos principais pilares, ele que pelo Benfica já tinha vencido o Campeonato em 1975/76 e 1976/77, da vitoriosa campanha de 1979/80 e da "dobradinha" de 1981/82.
Seria uma história idêntica que o faria deixar Alvalade para rumar ao Norte de Portugal. No FC Porto de José Maria Pedroto, a sua contratação, como nos demais emblemas que representou, estaria intimamente ligada ao sucesso do clube. Os anos de "Dragão" ao peito, serviriam para provar que Eurico era cada vez mais, e como assim ficou reconhecido, uns dos melhores defesas portugueses de sempre e, porque não dizê-lo, a actuar no futebol europeu de então. Os títulos (2 Campeonatos; 1 Taça de Portugal e 2 Supertaças), a presença na Final da Taça das Taças de 1984 e as excelentes exibições no Europeu desse mesmo ano, são apenas o reflexo de tudo aquilo que Eurico atingiu como jogador. Só não conseguiu mais, pois uma grave lesão (perna partida) contraída numa disputa com o benfiquista Nunes, deixaria Eurico afastado dos relvados por muito tempo. Sobre este episódio, desde a falta de cuidado com que o seu adversário abordou o dito lance, a tantas outras coisas, muito se falou. Mas há aspectos muito mais curiosos e dois desses seriam contadas na primeira pessoa:


O primeiro - "(...) fomos à Corunha, de autocarro, para o Torneio Teresa Herrera, e entregaram-me o meu fato de treino. Qual não é o meu espanto quando detecto um escorpião enrolado numa folha de papel com uma oração de plástico transparente, enrolada num fio vermelho. Pensei, «caraças, mas o que é isto?», mas não disse nada. Nesse Teresa Herrera, perdemos a final com o Atlético Madrid com um penálti roubado pelo árbitro, feito por mim. Em toda a carreira, se eu fiz dois penáltis, foi muito... Barafustei com o árbitro e fui expulso. Dias depois, na primeira jornada do campeonato, com o Benfica, vamos para estágio na Batalha e entrego o escorpião ao roupeiro. Pergunto-lhe o que era aquilo e ele diz que nada sabe. Bem, fui a jogo. Aos 17 minutos, saio lesionado! Tenho duas conclusões: ou alguém vestiu as minhas calças de fato de treino no Canadá [onde o FC Porto tinha feito uma "tournée"] ou alguém meteu aquilo de propósito nas calças. Na área da parapsicologia, aquilo foi intencional. Mas não era para mim, era para alguém. Fui eu o atingido e fui eu a vítima".*

O segundo - "«Vou fazer-te uma operação que é uma novidade. A capacidade de recuperação é metade do habitual.» E deram-me oito meses. Passado esse tempo, recebo a notícia de que tenho mais oito/dez meses de lesão. Assustei-me. Marquei o melhor hospital ortopédico de Londres e procurei alguém neutro. E esse médico disse-me que a minha tíbia só conseguia suportar as cargas que a alta competição exige entre 10/12 meses. Vim de Londres desiludido. Então, por interferência de alguém próximo de mim, dirijo-me ao padre Miguel. Perguntam-me se acredito em santos e eu digo que sim. Visitei o padre Miguel (faço um parênteses para dizer que o padre Miguel era o pároco da aldeia da minha família materna) e passei uma tarde com ele. O padre Miguel viu-me e... ao fim de um mês e meio, estava pronto para treinar. Fiz uma radiografia e mostrei-a ao médico que me operou. Caiu na cadeira, redondo. Deu-me alta numa sexta-feira"*.

Eurico ainda voltaria aos relvados, ao vestir a camisola do Vitória de Setúbal. Mas depois de tal calvário, as suas capacidades encontravam-se, compreensivelmente, afectadas. Duas temporadas após o seu regresso, corria a Primavera de 1989, e por razão das ditas mazelas, Eurico decide-se por um ponto final na sua carreira de futebolista. Ainda nesse mesmo ano, enceta a sua vida de treinador. Nessas funções, ainda que longe da ribalta de outros tempos, tem mostrado bons resultados, onde se destaca o trabalho feito com alguns dos clubes de menor monta em Portugal.

*retirado da entrevista ao Jornal i, conduzida por Rui Miguel Tovar

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