1230 - MIGUEL SERÔDIO

Com a formação dividia entre o Imortal de Albufeira e o Olhanense, seria neste último emblema que Miguel Serôdio faria a transição para o patamar sénior. Com habilidade para, entre o centro do sector mais recuado e o meio-campo, posicionar-se em lugares de cariz defensivo, o atleta, mesmo a disputar o escalão secundário, conseguiria chamar a atenção de outros emblemas. Como um elemento batalhador e capaz de recuperar muitas bolas, o jogador, ainda que sem um físico impressionante, seria visto como um bom reforço para o Farense de 1990/91, orientado pelo mítico Paco Fortes. Sob a alçada do treinador catalão, ainda que com uma primeira temporada um pouco discreta, as seguintes revelariam um elemento primordial no alinhar do “onze” inicial e com grande responsabilidade no alcançar dos feitos colectivos.
No contexto competitivo do emblema sediado no Algarve, os anos 90, tal como será fácil de recordar, caracterizar-se-iam pelas melhores campanhas realizadas pelos “Leões de Faro”. Durante esse período áureo da história do clube, Miguel Serôdio, como um dos elementos mais utilizados na disputa das provas nacionais, muito para além de ajudar a colectividade a cimentar-se no cenário primodivisionário, auxiliaria o grupo a ultrapassar metas nunca antes atingidas. Titular no desenrolar tanto da temporada de 1991/92, como da época de 1992/93, seria também dele a responsabilidade pelo 6º lugar conseguido em ambos os anos. Contudo, mais estaria para chegar. Nesse sentido, o Campeonato de 1994/95 terminaria com o Farense no 5º lugar da prova, melhor classificação de sempre para os do Sotavento, e com a qualificação para as pelejas continentais.
Com o feito alcançado, Miguel Serôdio, como alguns dos seus colegas de equipa, decidiria aceitar o convite de outras colectividades tradicionalmente preparadas para metas mais auspiciosas. Curiosamente, a mudança para o Boavista distanciaria o jogador das provas realizadas no âmbito da UEFA. No entanto, pior do que o afastamento das competições continentais, o atleta, com as cores do emblema portuense, não conseguiria manter a preponderância das épocas precedentes. No final da campanha de 1995/96 deixaria os “Axadrezados” e tentaria a sua sorte do lado de lá da fronteira. Em Espanha, integrado num contingente bem familiarizado com os emblemas lusos, passaria a disputar o 2º escalão. Porém, tal como tinha acontecido na experiência anterior, o jogador, bem longe de conquistar um lugar no alinhamento inicial do Salamanca, teria de aceitar o fracasso de mais uma aposta e, a meio da temporada, marcaria a viagem de retorno a Portugal.
De regresso ao Algarve, Miguel Serôdio voltaria a vestir a camisola do Farense. As 3 épocas e meia seguintes, sempre a disputar a 1ª divisão, levariam o atleta a acrescentar muitos jogos ao currículo. Esse somatório, com mais de 2 centenas de partidas disputadas no principal escalão do Campeonato Nacional, transformá-lo-iam no 3º elemento com mais presenças conseguidas pelos “Leões de Faro”, na referida prova. Mas apesar de tão longa ligação, a separação entre o jogador e a agremiação aconteceria com o término da campanha de 1999/00. Daí em diante, o futebolista entraria na derradeira fase do seu trajecto enquanto praticante. Imortal, Padernense e Guia coloririam esses anos e, com o fim da carreira a acontecer em 2003, antecederiam o início da sua caminhada como treinador. Nas funções de técnico, começaria como adjunto na equipa sénior do Farense, passaria também pelas camadas jovens do clube, pelo conjunto principal do Moncarapachense e ainda pelos juniores do Olhanense.

1229 - DELGADO

Depois da passagem pelas “escolas” do Sporting de Braga, a mudança para o Sporting Clube de Portugal, por razão do ingresso na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, alimentaria os últimos passos da sua formação desportiva. À derradeira temporada nos juniores dos “Leões”, corresponderia também a sua estreia pelos sub-18 de Portugal. Porém, mesmo ao auferir do estatuto de jovem internacional, a verdade é que José Manuel Delgado não conseguiria convencer os responsáveis técnicos da colectividade “alfacinha” a promovê-lo ao plantel principal. Com os “Verde e Branco” à procura de guardiões mais experientes, a sua saída de Alvalade levá-lo-ia até ao plantel de 1976/77 do Montijo e, em simultâneo, aos primeiros passos como sénior e à estreia no escalão máximo português.
Mesmo sem conseguir agarrar a titularidade de forma inequívoca, e confirmada a descida do emblema da Margem Sul no final da campanha referida no parágrafo anterior, outros clubes surgiriam como interessados na sua contratação. A acompanhar a nova mudança que, mais uma vez, faria o atleta atravessar o Rio Tejo, a chamada aos sub-21 conduzi-lo-ia à edição de 1977 do Torneio de Toulon. Aliás, as convocatórias para os trabalhos das jovens equipas sob a alçada da Federação Portuguesa de Futebol continuariam a cevar o seu potencial. No contexto clubístico, as 4 temporadas no plantel do Belenenses, ainda que de forma progressiva, começariam a cimentá-lo como um guarda-redes de cariz primodivisionário. Já as 2 últimas épocas no Restelo, tornar-se-iam, sem grande dúvida, no melhor período da carreira do guardião e a prová-lo, mesmo sem entrar em campo, chegariam as convocatórias à selecção “A”.
Depois da campanha de 1981/82 com as cores do Portimonense, mantendo-se Delgado como uma das figuras do Campeonato Nacional, seria a vez de outro “grande” acabar por abrir as portas ao guarda-redes. No Benfica, com uma época pelo meio ao serviço do Farense, o jogador manter-se-ia por diversas temporadas. Todavia, para seu azar, na passagem pela “Luz” teria de enfrentar uma forte concorrência. A presença no plantel de um dos melhores guarda-redes da história “encarnada”, empurraria o jogador para o banco de suplentes e para um episódio bem caricato – “Durante quatro anos joguei poucas vezes, apenas quando o Bento, que era titular indiscutível, estava lesionado. Curiosamente, tenho uma história com o Pál Csernai, que foi meu treinador na temporada 84/85. Um dia ele chamou-me e através do seu intérprete disse-me o seguinte: «estou muito satisfeito contigo, és um excelente guarda-redes. Mas para seres titular aqui tens de esperar que o Bento tenha um desastre de automóvel, como aconteceu com o Sepp Maier»”*.
Apesar de ter conseguido poucas oportunidades para jogar, Delgado retiraria da passagem pelo Benfica vários momentos dignos de destaque. Para além dos títulos que ajudaria a conquistar, caso dos 2 Campeonatos Nacionais e de 2 Taças de Portugal, as competições continentais também entrariam na sua caminhada. Nesse sentido, há que fazer referência à campanha das “Águias” na edição de 1982/83 da Taça UEFA – “Após a derrota em Bruxelas por 1-0, o jogo da segunda mão foi ao fim da tarde de uma quarta-feira e era preciso dar a volta à desvantagem. O treinador era Eriksson e nós com o treinador sueco não fazíamos estágios. Fizemos um treino ligeiro pela manhã e depois rumámos ao Hotel Altis para almoçar e para descansar. Umas quatro ou cinco horas antes do jogo o terceiro anel do estádio da Luz já estava cheio. Foi uma grande final”*.
Após cumprir a temporada de 1988/89 ao serviço do Sporting de Espinho, Delgado deixaria o futebol para passar a dedicar-se ao jornalismo. No novo contexto profissional tem desempenhado funções, maioritariamente no papel de editor ou director, em periódicos como a revista “Sábado” e os jornais “A Capital”, “Record” e “A Bola”. Tem, igualmente, apresentado programas televisivos na “A Bola TV” e fora do desporto, foi mandatário para a juventude na segunda campanha para a Presidência da República do General Ramalho Eanes, fez parte do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol e escreveu o livro “A vida aos pontapés”.

*retirado da entrevista publicada em https://arquivo.ensino.eu, em Dezembro de 2019

1228 - JOAQUIM JORGE

Com o início da carreira no Sporting da Beira, seria como praticante no emblema moçambicano que Joaquim Jorge viria a ser descoberto pelo FC Porto. Aferido como um bom reforço, viajaria até Portugal para, na temporada de 1962/63, ingressar no plantel principal dos “Azuis e Brancos”. Porém, ao contrário de tantos atletas vindos do continente africano, o jogador entraria na “Cidade Invicta” já com 4 anos de experiência no patamar sénior. Esse traquejo, logo no ano da chegada, permitir-lhe-ia assumir um papel preponderante na equipa titular e, sob a alçada do treinador Janos Kalmar, fixar-se como um dos elementos em destaque no meio-campo.
Na campanha seguinte, mesmo ao ser recuado no terreno de jogo, não perderia o lugar no “onze” inicial. Aliás, seria já posicionado no lado esquerdo do trio defensivo que participaria na final da edição de 1963/64 da Taça da Portugal. Outro dos momentos áureos da passagem do jogador pelo emblema portista, coincidiria com a temporada de 1964/65. Com a estreia do atleta nas competições continentais a reportar-se à época da sua entrada nas Antas, seria uma ronda da Taça dos Vencedores das Taças a sublinhá-lo, ainda mais, na história dos “Dragões”. Com o Olympique Lyonnais a calhar em sorte ao FC Porto na eliminatória inicial da referida prova, o embate frente ao conjunto gaulês, com Joaquim Jorge a titular na 1ª mão, daria à agremiação portuguesa a primeira vitória nas pelejas europeias.
Ao perder algum protagonismo na 3ª temporada de “azul e branco”, Joaquim Jorge acabaria por assumir outro rumo para a sua caminhada profissional. Ao escolher o Vitória Sport Clube, o defesa recuperaria o estatuto de titular. Com o começo da ligação a dar-se na época de 1965/66 e ao longo de várias temporadas com as cores do emblema vimaranense, o jogador, no contexto nacional, destacar-se-ia como um dos melhores a actuar na sua posição. A prová-lo chegariam as chamadas aos trabalhos da Federação Portuguesa de Futebol. Com 2 jogos pelo conjunto “B”, para depois chegar à equipa “A”, o atleta somaria um total de 4 internacionalizações. Nesse trajecto, destaque para a primeira partida feita pela principal selecção lusa a 6 de Abril de 1969, num particular frente ao México e pela mão de José Maria Antunes.
Depois de 7 anos em Guimarães, onde o pináculo desse período emergiria com o 3º posto no Campeonato Nacional de 1968/69, Joaquim Jorge voltaria a trocar de emblema. A mudança assinalaria a entrada na derradeira etapa da sua carreira como futebolista e caracterizar-se-ia por alguma errância e pelos escalões secundários. UD Oliveirense, Penafiel e Paredes seriam as colectividades que preencheriam os últimos passos dados pelo atleta dentro de campo. “Penduradas as chuteiras, o antigo desportista não ficaria muito tempo afastado da modalidade. Regressaria ao Penafiel e com algumas passagens como técnico-principal da equipa sénior mas, principalmente, a trabalhar nas camadas jovens, arrepiaria caminho nas funções de treinador.

1227 - MANUEL DUARTE

Ao emergir das “escolas” da Académica, Manuel Duarte, atleta nascido na Beira Alta, surgiria na equipa principal do conjunto conimbricense na temporada de 1962/63. Lançado nos seniores da “Briosa” pelo treinador José Maria Pedroto, o atacante abrilhantaria a estreia no Campeonato Nacional com um golo marcado frente ao Vitória de Setúbal. Aliás, 3 das 4 partidas disputadas por si durante a referida campanha, seriam brindadas por remates certeiros. Porém, o jogador, que ao longo da carreira ganharia destaque por conseguir posicionar-se na esquerda ou no centro do sector mais ofensivo, acabaria por nunca conseguir afirmar-se no “onze” inicial e, ao fim de 2 anos, viria a abandonar o clube.
Sem deixar de competir na 1ª divisão, a transferência do avançado para outro emblema, acabaria por ajudar a catapultar a sua carreira. Após representar os “Estudantes”, a campanha de 1964/65 marcaria, na sua caminhada desportiva, o início da ligação ao Leixões. A chegada ao emblema de Matosinhos, onde voltaria a trabalhar sob a alçada de José Maria Pedroto, serviria para sublinhá-lo, não só como uma promessa do futebol luso, mas como um intérprete com grandes qualidades. Depois de, na época de arranque, ter apenas conseguido destacar-se na metade final da temporada, a época de 1965/66 mostraria Manuel Duarte como um futebolista capaz de exibições exuberantes. Essa valorização empurrá-lo-ia para um patamar superior e, mesmo sem ter participado na campanha de qualificação para o Mundial de 1966, o atacante passaria a ser visto pelos responsáveis técnicos da Federação Portuguesa de Futebol como um possível elemento a juntar à comitiva com destino a Inglaterra.
Chamado por Manuel da Luz Afonso aos trabalhos da selecção, antes ainda da partida para o certame aludido no parágrafo anterior, Manuel Duarte, com 2 presenças na equipa “B” e outras 2 pelo conjunto principal das “quinas”, conseguiria, nessas pelejas de preparação, as internacionalizações que acabariam por colorir a sua carreira. Integrado no grupo que partiria para a “Albion”, o avançado também celebraria o 3º lugar conquistado por Portugal. Mesmo sem contar com qualquer minuto em campo, a sua valorização, resultado da presença no Campeonato do Mundo, levaria emblemas de outra monta a olhar para si como um bom reforço para os respectivos planteis. Nesse sentido, seria o Sporting a convencer o atleta e a mudança para Alvalade dar-se-ia no prelúdio da temporada de 1966/67.
Trabalharia com os “Leões” durante 4 temporadas e ajudaria a agremiação lisboeta a vencer a edição de 1967/68 da Taça Intertoto. Nessa caminhada, a primeira campanha findaria com Manuel Duarte, para além de cimentado no “onze” sportinguista, como o melhor marcador da equipa. Todavia, nas épocas seguintes, muito mais do que perder a titularidade, o avançado, progressivamente, começaria a desaparecer das fichas de jogo. Com poucas presenças em campo no resto da sua ligação ao clube, a saída do Sporting levá-lo-ia até ao plantel de 1970/71 de um FC Porto orientado por António Teixeira. Contudo, a mudança não traria à carreira do futebolista os resultados esperados e, um ano após a entrada no Estádio das Antas, com apenas 2 presenças em partidas oficiais, o trajecto do atleta sofreria nova mudança.
A época com os “Azuis e Brancos” marcaria para o avançado a sua última passagem pelo escalão maior do futebol luso. Seguir-se-ia o Varzim e, naquela que viria a tornar-se na sua maior ligação enquanto sénior, as 6 temporadas ao serviço da AD Fafe. Depois viriam ainda as experiências em clubes mais modestos, com destaque para o Felgueiras, onde, como treinador-jogador, subiria o emblema aos “nacionais”.

1226 - PAULO ALEXANDRE

Natural do concelho flaviense, Paulo Alexandre terminaria a formação nas camadas jovens do Desportivo de Chaves. O passo seguinte, após ter começado a trabalhar com a equipa principal na época anterior, seria dado na temporada de 1989/90 e marcaria a estreia do defesa no patamar sénior. Com o emblema transmontano a militar na 1ª divisão, seria pela mão do treinador José Romão que, numa partida no Estádio das Antas frente ao FC Porto, o jovem praticante encetaria a caminhada no patamar maior. Progressivamente conquistaria um lugar de destaque no seio do conjunto “Azul-grená” e, pela campanha de 1991/92, já era visto como um dos grandes valores do plantel.
Com o final da temporada de 1992/93, Paulo Alexandre e os seus colegas enfrentariam a despromoção à Divisão de Honra. “Sol de pouca dura”, pois, volvido um ano após o desaire, já os flavienses estavam de volta ao escalão principal. Aliás, os anos seguintes testemunhariam a permanência da equipa na 1ª divisão e, tais prestações colectivas, sublinhariam o defesa-central como um intérprete capaz de marcações muito fortes. Contudo, e mesmo com a atitude dentro de campo a pô-lo como um bom exemplo da raça exigida pelo clube, a relação do atleta com os dirigentes do emblema transmontano, com o fim da época de 1998/99 a ditar nova descida, começaria a degradar-se – “É quase certo que não vou ficar no Desportivo de Chaves, e não é por falta de vontade da minha parte. Tenho 29 anos e já tive oportunidade de sair do clube noutras ocasiões, mas não o fiz (…).Esta não foi uma boa época para mim e para o resto do grupo, mas a proposta que me apresentaram foi como um convite para me mandarem embora (…). Compreendo as dificuldades financeiras do D. Chaves neste momento e já se previa um corte nos vencimentos devido à descida, mas assim não”*.
A querela levaria o futebolista a uma das poucas, e curtas, passagens competitivas fora de Trás-Os-Montes. Com contrato assinado pelo Desportivo das Aves de 1999/00, o defesa passaria a integrar o plantel orientado pelo Professor Neca e, como um dos esteios do sector mais recuado, ajudaria a equipa a regressar à 1ª divisão. Curiosamente, e ao assumir um papel importante na referida subida, a opção de Paulo Alexandre seria a de sair do clube, voltar a envergar as cores do Desportivo de Chaves e, com isso, manter-se a disputar o escalão secundário. Tal escolha, com o emblema nortenho a entrar numa fase menos positiva, inviabilizaria, no percurso do atleta, nova experiência no patamar primodivisionário. Ainda assim, e ao demonstrar uma enorme motivação e paixão pela colectividade, a carreira do jogador com a camisola mais representativa da sua terra natal, prolongar-se-ia por diversos anos.
Após somar um total de 17 campanhas como sénior do Desportivo de Chaves, a temporada 2007/08 encaminhá-lo-ia até à única passagem pelo estrangeiro. Ao deixar a agremiação flaviense como o atleta com mais partidas oficiais na existência do clube, Paulo Alexandre viajaria para o outro lado da fronteira e, na Galiza, ingressaria no modesto Verín CF. A época cumprida em Espanha, antecederia o fim da sua carreira enquanto futebolista. Mesmo depois de “pendurar as chuteiras”, o antigo atleta não abdicaria de experimentar outras áreas da modalidade. Como Coordenador Técnico, em 2010/11, voltaria a defender os interesses dos “Azul-Grená”. Já na época seguinte acabaria por aceitar o desafio lançado pelos dirigentes do Boticas e abraçaria as tarefas de treinador.

*retirado do artigo de Paulo Reis, publicado a 24/06/1999, em www.record.pt

1225 - BEN DAVID

Ao dar os primeiros passos no Clube Sportivo Mindelense, seria também no emblema cabo-verdiano sediado na Ilha de São Vicente que chegaria ao futebol sénior. Como um avançado dotado de excelsas qualidades, que inicialmente costumava posicionar-se tanto como extremo ou como avançado-centro, Henrique Ben David logo começaria a ser falado como uma das grandes promessas do desporto luso.
Na sequência de tão bons predicados, não tardaria muito até que o atacante visse marcada a viagem até à Metrópole. Chegaria à capital pela mão do tio Alector Sena, antigo praticante no já referido emblema do Mindelo e também no portuense Boavista. Mas apesar do assédio dos “grandes”, Ben David, com os olhos postos numa segurança financeira que o futebol, à altura, não dava, preferiria a proposta laboral vinda das empresas da CUF, aos desafios lançados por Benfica, Sporting e Belenenses. Começaria pelo emblema “fabril” associado às unidades instaladas na margem norte do Tejo. Todavia, a passagem pelos Unidos de Lisboa seria curta e o fecho da fábrica que directamente suportava o referido emblema, levá-lo-ia a atravessar o rio.
A partir da temporada de 1945/46, o avançado passaria a integrar o plantel da CUF do Barreiro. No escalão secundário, partilharia o balneário com atletas como Travassos ou Vasques. Seria, no entanto, com o regresso a Lisboa que Ben David começaria, em definitivo, a afirmar-se no futebol português. A transferência para o Atlético, empurrá-lo-ia até à edição de 1947/48 da 1ª divisão. Com algumas dificuldades iniciais para conseguir segurar um lugar no “onze” dos “Alcantarenses”, a temporada seguinte à da sua entrada na Tapadinha revelá-lo-ia como um dos principais elementos da equipa. No lugar de ponta-de-lança, destacar-se-ia como um atleta com um poder de impulsão fantástico, ao qual aliaria uma técnica de cabeceamento superior. Com o somar de boas exibições, o atacante rapidamente passaria de um dos mais importantes elementos do alinhamento “alfacinha”, para ser visto como uma das estrelas do Campeonato Nacional.
Ao ver alimentada a fama, o passo seguinte da sua carreira chegaria sob a alçada da Federação Portuguesa de Futebol. Chamado aos trabalhos da selecção “A”, seria pela mão da tripla Salvador do Carmo, João Brito e Amadeu Rodrigues que Ben David conseguiria estrear-se por Portugal. A 14 de Maio de 1950, frente à Inglaterra, seria arrolado para um “particular” agendado no Estádio do Jamor. Aliás, o desempenho frente à congénere britânica, com os dois golos por si marcados a atenuarem a derrota por 3-5, mereceria, por parte das hostes opositoras, elevados enaltecimentos. Os elogios seriam de tal ordem, que o atleta haveria ser classificado pelos pares adversários, como um intérprete de cariz técnico superior e um dos melhores avançados-centro que os “3 Lions” já alguma vez tinham defrontado.
Tido como um dos grandes praticantes a actuar em Portugal, senão o melhor, a Ben David continuariam a chegar vários convites. Para além das constantes recusas às solicitações endereçadas pelos maiores emblemas nacionais, também do estrangeiro emergiria uma proposta. O Stade Français, emblema parisiense, oferecer-lhe-ia um salário milionário, prémios de jogo exuberantes e, atendendo à sua paixão pela mecânica automóvel, um lugar junto de uma das grandes marcas gaulesas. Os dirigentes do Atlético, perante a recusa dos franceses em pagar 300 contos, negar-lhe-iam a saída. Manter-se-ia pelo bairro de Alcântara até ao fim da carreira. A excepção surgiria em 1951, aquando de uma digressão do Sporting pelo Brasil e que, na condição de “emprestado”, daria ao ponta-de-lança a oportunidade de jogar no Maracanã.
Infelizmente para Ben David, as lesões cedo apareceriam. Depois de uma intervenção cirúrgica mal sucedida ao joelho direito, o avançado começaria a perder a preponderância no seio do “onze” alcantarense. Ao nunca conseguir debelar o estrago no menisco, a mazela levá-lo-ia a retirar-se
com o término da temporada de 1954/55, contava apenas 28 anos de idade. Porém, a paixão pela modalidade manter-se-ia bem presente. Na segunda metade da década de 50, aceitaria o convite do Santa Clara e mudar-se-ia para a ilha de São Miguel. No arquipélago permaneceria até ao fim da vida e treinaria outras equipas como o União Sportiva, o União Micaelense, o Marítimo Sport Clube e até a selecção dos Açores.
Retirado das lides competitivas, passaria a trabalhar para a RTP Açores e assumiria as rédeas do programa “Teledesporto”.

1224 - RUI NEVES

Produto das “escolas” do Estrela da Amadora, para onde entraria ao lado do irmão gémeo Jorge, Rui Neves acabaria promovido à equipa principal numa das mais importantes temporadas da história da colectividade. Ao coincidir o começo da sua caminhada sénior com o ano de estreia dos “Tricolores” na 1ª divisão, o defesa-lateral, lançado nessa época de 1988/89 pelo técnico João Alves, rapidamente conseguiria assegurar um lugar no “onze”. Partiria como titular para a campanha seguinte, durante a qual o emblema da “Linha de Sintra” disputaria a final e a finalíssima da Taça de Portugal e, frente ao Farense, conquistaria o referido troféu – “Foi o ponto mais alto da minha careira. Por isso, as recordações que guardo são as melhores (…). Tudo aquilo ficou gravado na memória, uma vez que aquele ambiente é simplesmente fantástico. O Jamor estava muito bonito, repleto de público (…). Para o clube foi um marco muito importante (…). Lembro-me com alegria dos meus colegas e treinadores. Era um conjunto fantástico”*.
À terceira época no patamar sénior, já Rui Neves, lateral ambidestro, andava nas andanças europeias. Antes ainda da participação na Taça dos Vencedores das Taças, as boas prestações naquele que é o principal patamar luso, dar-lhe-iam outro prémio. Da Federação Portuguesa de Futebol, pela mão do seleccionador Agostinho de Oliveira, seria chamado aos trabalhos dos sub-21 de Portugal. Frente à Alemanha Federal, num particular agendado a 28 de Agosto de 1990, o defesa, ao ocupar um lugar no alinhamento inicial, conseguiria a única internacionalização da sua carreira. Ao lado de outras promessas como Paulo Madeira, Paulo Sousa, João Vieira Pinto, Jorge Couto ou Pedro Barbosa, integraria o grupo que, com um resultado de 1 a 1, empataria o encontro de cariz “amigável”.
Voltando às competições continentais, o defesa participaria em 3 das 4 partidas do Estrela da Amadora na edição de 1990/91 da Taça dos Vencedores das Taças. Na mesma temporada em que, por razão da vitória na Taça de Portugal, o clube, com Rui Neves a entrar em campo nas duas mãos da prova, também disputaria a Supertaça Cândido de Oliveira, o Neuchâtel Xamax emergiria como a primeira colectividade a enfrentar os portugueses nas jornadas fora de fronteiras. Depois de jogar as 2 partidas frente aos helvéticos, seguir-se-ia o RFC Liège. Nessa eliminatória, o lateral apenas seria chamado por Manuel Fernandes a participar numa das pelejas relativas à 2ª eliminatória da prova. Ao lado dos seus colegas, não evitaria o afastamento do conjunto “estrelista”. No entanto, a sucessão de eventos até agora relatados seriam mais que suficientes para inscrever o seu nome na memória colectiva da agremiação.
Ao fazer coincidir os primeiros anos da carreira com os momentos mais emocionantes dessa caminhada, o que restaria do seu trajecto competitivo seria passado, com um pequena excepção, com as cores do Estrela da Amadora. Acompanharia o grupo, depois da despromoção no final da temporada de 1990/91, até ao patamar secundário. Manter-se-ia no clube durante essa passagem de 2 anos e ajudaria à nova subida. Todavia, seria com o regresso dos “Tricolores” ao convívio dos “grandes” que Rui Neves decidiria mudar de rumo e, em 1993/94, assinar pelo Gil Vicente. Curto o passo dado no Minho, pois, ao fim da aludida campanha, o defesa regressaria ao Estádio José Gomes. Daí em diante, não mais mudaria de camisola. Mesmo sem o “glamour” experimentado no arranque da marcha profissional, ainda assim, o lateral ajudaria à edificação de bons momentos. Nesse sentido, há que fazer referência ao 7º lugar, igualando a melhor classificação de sempre na prova, conseguido no Campeonato Nacional de 1997/98 ou participação na Taça Intertoto de 1998/99.
Para concluir, há que sublinhar as 15 temporadas como sénior a defender o emblema estrelista e os 379 jogos partilhados entre os Campeonatos Nacionais da 1ª e 2ª divisão. Tais números, somados aos das restantes provas, fazem de Rui Neves, que “penduraria as chuteiras” no final de 2003/04, num dos atletas que mais vezes envergou a camisola do Estrela da Amadora. Já depois de assumido o fim da caminhada como futebolista, o antigo lateral manteria a sua ligação ao clube e à modalidade, nomeadamente como treinador das camadas jovens.

*retirado do artigo publicado em www.record.pt, a 02/03/2005

1223 - CORREIA DIAS

Natural de Ovar, nascido no seio de uma família abastada e dona de um próspero negócio de cereais, Correia Dias, com a mudança para a “Cidade Invicta” ditada por razão dos estudos, acabaria também por entregar-se à prática do “jogo da bola”. No FC Porto, com o treinador Mihaly Siska agradado com as habilidades do jovem atleta, o avançado-centro, a 22 de Outubro de 1939, seria chamado à estreia. Nesse encontro a contar para o “regional”, o atacante brilharia frente ao Leça e, com um golo, ajudaria à vitória caseira dos “Azuis e Brancos”.
Atleta corpulento, que a dada altura da carreira terá, em franca quantidade, ultrapassado os 100kg de peso, Correia Dias era tido como um jogador batalhador, ágil e dono de um sentido de oportunidade mortífero para os adversários. No entanto, mesmo ao possuir características de excelência para o desempenho das funções de ponta-de-lança, a presença de Kordnya no plantel, adiaria a sua afirmação no “onze” por um par de épocas. A titularidade conquistá-la-ia apenas na temporada de 1941/42. Depois de uma pesada derrota forasteira frente ao Sporting, o já referido técnico luso-húngaro lançá-lo-ia na equipa inicial. Com boas prestações, o avançado agarraria a oportunidade com “unhas e dentes” e os 36 remates certeiros na principal prova nacional sagrá-lo-iam como o Melhor Marcador do Campeonato.
Daí em diante, em grande maioria das ocasiões, o seu nome passaria a ser cogitado para o alinhamento da equipa principal. Apaixonado pela modalidade e pelo clube, mas sem qualquer carência económica, Correia Dias defenderia afincadamente o seu estatuto de atleta amador. O desafogo financeiro, que fazia com que a sua vida não dependesse do desporto, mas dos já aludidos negócios de família, levá-lo-ia, com a temporada de 1946/47 em curso, a deixar as ocupações dos “Dragões”, para preencher o tempo com as actividades geridas, em primeiro plano, pelo seu pai. No entanto, a falta de um substituto à altura para o lugar de avançado-centro, faria com o técnico “azul e branco” fosse no seu encalço. Endereçado o desafio para regressar à competição, o atleta anuiria ao convite. Todavia, teria que ceder na relutante recusa por um ordenado e, acima de tudo, enfrentar a visível má forma física – “O prazer de jogar pelo FC Porto, que há muitos anos represento, desde sempre, desde os meus tempos de estudante na capital do norte, vale bem mais do que «isso» de ganhar ou não ganhar. Obedeci. Nada mais (…).Eu acho o profissionalismo perfeitamente aceitável. É mesmo honroso ser profissional. Se eu precisasse do futebol, acredite que receberia desde há muito. Mas como isso não se tem dado – nunca pensei em remunerações do clube. Agora, posto o problema da disciplina e das «obrigações», considerada necessária a minha inclusão na equipa do meu clube, nestas condições, acedi e ganho. Pronto” (…). Actualmente estou com 105 quilos. Quando reapareci, engordei, e atingi cerca de 113 quilos. É o costume. Agora, graças a uma preparação adequada, estou a baixar de peso. O treinador Eládio Vascheto destinou-me também um sistema alimentar apropriado – que tem resultado”*.
Mesmo tendo acedido ao pedido para voltar, a sua ligação ao FC Porto não haveria de estender-se por muito mais tempo. Ainda assim, o jogador teria a ocasião de participar, e de deixar grande marca, num dos episódios mais marcantes da história do clube. No “particular” agendado para o Estádio do Lima a 6 de Maio de 1948, o avançado seria chamado a defrontar o Arsenal. Tidos os londrinos como um dos melhores conjuntos do mundo e com os prognósticos a indicar um desafio fácil para os “Gunners”, a verdade é que os “Dragões” excederiam todas as expectativas e, com 2 golos de Correia Dias e 1 de Araújo, sairiam da peleja como triunfantes.
Ao deixar a “Cidade Invicta” depois de iniciar a temporada de 1948/49 com as cores da agremiação “azul e branca”, Correia Dias regressaria à terra natal e com 5 Campeonatos “regionais” no palmarés. Sem que conseguisse confirmar em que moldes terá ocorrido, a existência de vários documentos, escritos e fotográficos, que testemunham a presença do atleta a envergar a camisola da Ovarense, leva-me a acreditar que a sua carreira não terá terminado com a saída do FC Porto. Tirando esta curiosidade, não poderia concluir esta pequena biografia sem referir um facto que acho extraordinário e que se prende com a incompreensível ausência de chamadas à selecção nacional, daquele que terá sido um dos melhores atletas a jogar em Portugal na década de 40.


*retirado da entrevista conduzida por Rodrigues Teles, publicada em “Stadium” (nº271), a 11 de Fevereiro de 1948.

1222 - PIRES


Atleta com facilidade em posicionar-se nos vários lugares da linha mais ofensiva, Manuel Pires haveria de emergir num dos emblemas da sua terra natal. No Grupo Desportivo “Os Nazarenos”, o avançado, depois de terminada a formação, seria promovido às competições seniores. Apesar das qualidades reveladas, a verdade é que demoraria alguns anos até conseguir atingir os patamares cimeiros das provas portuguesas. Após disputar o Campeonato da Associação de Futebol de Leiria e da breve passagem pela 3ª divisão nacional, seria o regresso aos “distritais” que, sem abandonar o clube, daria novo impulso à sua caminhada.
Já depois da transferência que o tornaria num elemento do plantel de 1978/79 do Ginásio de Alcobaça, Pires, de forma sistemática, começaria a subir degraus na carreira. Nesse sentido, a época imediata à da sua entrada no novo emblema, apresentar-lhe-ia o escalão secundário. Seguir-se-ia, sem deixar a 2ª divisão, a mudança para o Rio Ave. Com a chegada ao emblema de Vila do Conde, o jogador veria a sua vida competitiva transformar-se. Mesmo ao demorar algum tempo a afirmar-se no “onze”, a temporada de 1981/82, pela mão do treinador Mourinho Félix, apresentá-lo-ia ao patamar máximo do nosso futebol. A referida campanha, com o 5º posto na tabela de classificação, inscreveria o nome do avançado no rol de atletas a dar ao clube a melhor posição de sempre no Campeonato Nacional.
As campanhas seguintes, já com Pires alinhado como um dos titulares, trariam ao seu currículo outras ocasiões dignas de registo. A primeira, a 24 de Abril de 1983, chegaria na sequência dos trabalhos agendados pela Federação Portuguesa de Futebol. Integrado na selecção olímpica, o avançado, numa partida marcada para o Jamor, entraria em campo na peleja frente à República Federal Alemã. Ao sair do banco, o atacante daria um enorme contributo para a vitória frente à congénere germânica e, com um golo aos 79 minutos, ajudaria a inscrever no placard final o resultado de 3-1.
Seria também no Estádio Nacional que Pires viveria outros dos episódios mais marcantes da sua passagem pela colectividade vilacondense. Mais uma vez sobre a alçada do técnico Mourinho Félix, a chegada do Rio Ave ao derradeiro encontro da edição de 1983/84 da Taça de Portugal, registaria o momento no álbum de memórias do avançado, como inesquecível. Depois de ajudar a eliminar, entre outros emblemas, o Estoril Praia e o Vitória Sport Clube, o atacante seria chamado à titularidade na disputa da final. Infelizmente para si e para os seus colegas, a sorte do jogo sorriria ao adversário e, substituído aos 65 minutos, assistiria já do banco de suplentes ao último apito e ao FC Porto confirmado como o lado triunfador.
Com a evolução demonstrada no percurso percorrido, Pires começaria a ser cobiçado por outros emblemas. Com o Rio ave a não evitar a despromoção no final da temporada de 1984/85, o avançado prosseguiria a carreira no Boavista. A primeira grande novidade resultante da nova transferência, seria a participação nas competições europeias. Na campanha de estreia no Bessa, ao ser chamado por João Alves à disputa da Taça UEFA, entraria em campo frente aos belgas do Club Brugge.
O fim da ligação com os “Axadrezados”, acabaria por representar duas coisas para o atleta. Para começar seria a despedida da 1ª divisão. A segunda, já depois de uma passagem pela União de Leiria, representaria o regresso ao Ginásio de Alcobaça e, como fim de carreira, o retorno ao Grupo Desportivo “Os Nazarenos”. Já retirado das lides competitivas, Pires não ficaria afastado do desporto. Para além dos negócios na área da restauração, o antigo atleta é Presidente da Associação Recreativa do Planalto, colectividade em que sobressai a prática do Futsal.