458 - VÍTOR BAÍA

Tendo ouvido três versões sobre a ida de Vítor Baía para o FC Porto, deixo aos nossos leitores a opção de escolha para o início desta história. Então, dizem uns que, quando um "olheiro" do FC Porto decidiu, num jogo da Académica de Leça, observar um avançado e um guarda-redes, o treinador da dita equipa pensou que, ao pôr o guardião suplente, as perdas no seu plantel seriam minimizadas. Puro engano, pois o jogador que normalmente ocupava o banco era Vítor Baía, e assim, ao invés de ficar sem um, acabou com menos dois craques na equipa. Já outros dizem que, no dia em que Domingos (o tal avançado da primeira história) foi prestar provas às Antas, decidiu fazer acompanhar-se por um amigo. Estando os responsáveis também à espera de um guardião, não deram pela troca de identidades e acabaram por chamar a testes o tal companheiro do atacante, Vítor Baía. Já a terceira versão não difere muito da segunda, ou seja, dizem que Vítor Baía acompanhou Domingos, contudo, a mando do treinador de ambos e de maneira a enganar os portistas, que queriam antes o guarda-redes titular.
Independentemente de como chegou ao FC Porto, o certo é que, rapidamente, Vítor Baía soube conquistar o seu lugar dentro do clube. Já para o seu pai esta sua opção, a de uma vida de desportista, não foi recebida da melhor forma. Para o Sr. Manuel Baía, guarda-fiscal de profissão, a prioridade para os filhos, à parte das outras actividades em que estavam inseridos, teriam de ser os estudos. No entanto, tanta coisa junta - escola, treinos e jogos - começou a atrapalhar o quotidiano de Vítor. Assim, quando decidiu informar o seu pai da escolha pelo futebol, como podem imaginar, instalou-se a discussão. Felizmente o seu pai reconsideraria na sua proibição e, deste modo, o jovem jogador, haveria de prosseguir a sua carreira. Ainda bem que assim tudo se passou, pois, pouco tempo depois, devido à lesão Mlynarczyk (1988/89), Vítor Baía era escolhido para titular da baliza "Azul e Branca". Com esta chamada de Artur Jorge ao "onze" inicial, Vítor Baía, habitual no escalonamento titular da selecção portuguesa de s-20, abdicaria da participação no Mundial disputado na Arábia Saudita.
Boa escolha, dirão uns, má, dirão outros, mas o que podemos concluir é que esta opção fez com que conseguisse cimentar o seu lugar no clube. Foi desta maneira, com o à vontade que aí chegou, que também se tornou num dos ídolos dos adeptos. Dono das redes, passou a ser uma das figuras habituais nos relvados nacionais. As suas exibições mostravam-no, a cada partida, como um prodígio. A maneira como abordava os lances, a capacidade que tinha em controlar todo o espaço a si entregue, faziam com que a confiança nas suas capacidades aumentasse. Por essa razão, Artur Jorge, o mesmo treinador que já o havia elevado a principal elemento na defesa das redes portistas, chama-o para os trabalhos da selecção principal. A 19 de Dezembro de 1990, Vítor Baía conseguia a primeira de 80 internacionalizações pelo seu país. Com a camisola das "quinas" participaria nos maiores certames mundiais de futebol. Faltou-lhe a chamada de Scolari ao Europeu de 2004, organizado em Portugal. Injustamente, digo peremptoriamente, até porque, nesse mesmo ano, acabaria por ser eleito como o melhor da Europa na sua posição.
Outra coisa que não conseguiu alcançar na selecção, foi títulos. Já com as camisolas dos clubes que representou, FC Porto e Barcelona, não se pode dizer o mesmo. Vítor Baía conseguiu, inclusive, chegar ao topo dos praticantes com mais troféus conquistados na história do futebol. Assim, como podem imaginar, é extensa a lista de que é feito essa parte do seu currículo. Contudo, nunca é demais relembrar que pelo meio, Vítor Baía é "dono" de 1 Taça das Taças, 1 Supertaça Europeia (ambas pelo Barcelona), 1 Liga dos Campeões, 1 Taça UEFA e 1 Intercontinental (estas últimas ao serviço do FC Porto).

457 - CARLOS MANUEL

Desde muito novo que Carlos Manuel mostrou habilidade para a prática do desporto. Experimentou o hóquei em patins, o ténis de mesa, mas o futebol era a sua grande paixão... Damas e Peres os seus ídolos. Tentou o Barreirense, mas disseram-lhe para vir na semana seguinte. Foi, então, que decidiu que a CUF haveria de ser o seu destino enquanto futebolista. Foi aos treinos de captação e chamou à atenção. Entre tantos outros jovens que ali tentavam a sua sorte e que acabariam como preteridos - Chalana foi um deles!!! - Carlos Manuel ficou. Na temporada de 1975/76 faria a sua estreia com a primeira categoria da equipa do Barreiro. O seu jogo musculado, por certo reflexo da sua vida de metalúrgico da CP, mas cheio de técnica, rapidez e visão de jogo, facilmente conseguiu um lugar de destaque no onze inicial. Depois de se ter estreado na 1ª Divisão e de mais duas épocas passadas no segundo escalão nacional, um impasse nas negociações para a renovação do seu contrato, levá-lo-ia a aceitar o convite de Manuel de Oliveira, treinador, à altura, dos rivais do Barreirense.
A verdade é que a qualidade do seu jogo, faziam com o que o Estádio D. Manuel de Mello fosse pequeno demais para ele. A prova disso mesmo, veio um ano depois quando, com o FC Porto e Sporting também na corrida, o Benfica conseguiu contratá-lo. Na "Luz", muito por custa da sua constância exibicional, a sua vida como profissional mudaria. Começou, logo no ano da sua chegada, por conseguir uma chamada à principal selecção nacional. Seguiram-se, nos anos vindouros, os títulos: 4 Campeonatos; 5 Taças de Portugal; 2 Supertaças. Faltou-lhe, por certo, aquela que poderia ter sido a consagração de toda uma geração no Benfica, a Taça UEFA de 1982/83, perdida para o Anderlecht. Contudo, teve o mérito de atingir outras metas. Marcou presença no Europeu de 1984 e repetiu a chamada para o Mundial de 1986, no México. Aliás, o grande momento da qualificação a ele se deve, quando em Estugarda, na última jornada dessa campanha, conseguiu um espectacular golo, dando a vitória a Portugal. Já no certame propriamente dito, a história foi, como se lembram, bem diferente. Assombrada pelo "Caso Saltillo", a prestação de Portugal ficaria, também no campo desportivo, manchada. Carlos Manuel haveria de ser um dos principais elementos a dar a cara pelas revindicações dos atletas, e à chegada a Lisboa, cumpriria o que havia prometido e não regressaria à selecção.
Estranha, também, seria a história da sua saída do Benfica. A meio da temporada de 1987/88, Carlos Manuel transfere-se para o Sion. Muita controvérsia houve nessa sua saída, com o nome de Gaspar Ramos a ser cogitado como o principal responsável por tal. Disse-se muito mais, pois, ao que parece, houve, por parte do dirigente benfiquista, a "oferta" de 5000 contos para que, e aqui é que surgem as minhas dúvidas, o médio saísse ou, então, não regressasse ao Benfica.
Voltou para o Sporting. Seria apresentado como um dos principais trunfos de Jorge Gonçalves e a qualidade das suas exibições fariam dele um dos melhores jogadores dessa temporada de 1988/89. O prémio pela qualidade das suas prestações fez-se sentir logo no ano seguinte, quando Manuel José o indicou para capitão de equipa. Ganharia, também, o Prémio Stromp, mas o seu "fim-de-linha" chegaria com a contratação de um novo técnico - "Com Raul Águas só jogavam os amigos".
O resto da sua carreira faria-a, com passagens pelo Boavista e, finalmente, pelo Estoril-Praia. Aliás, seria no clube da "Linha de Cascais" que Carlos Manuel faria a sua transição para a carreira de treinador. Nestas funções passou por inúmeros emblemas nacionais (Salgueiros; Sporting; Sp.Braga; Campomaiorense; Santa Clara, etc), tal como por aventuras em África, onde assumiu funções no 1º de Agosto (Angola) e como seleccionador da Guiné-Bissau.

456 - HUMBERTO COELHO

Não sendo um grande fã de comparações, e, por certo, também não o serão aqueles das quais são alvo, há algumas que têm o condão de nos deixar orgulhosos. Nesse sentido, um central conseguir ostentar o epiteto de "Beckenbauer Português" é, sem sombra de dúvidas, um desses bons exemplos. A alcunha é pertença de Humberto Coelho e, só por si, dá logo para aferir da qualidade da sua carreira.
Começou bem novo, e, desde cedo, mostrou características de um central imponente, daqueles que, só o nome, faz tremer qualquer avançado. Aos 18 anos já se estreava com a camisola principal das "Águias". Incrivelmente, num plantel que apresentava a maioria dos jogadores que haviam disputado as 5 finais europeias pelo Benfica, o jovem Humberto conseguiria impor-se como titular. Ainda nessa temporada de 1968/69, a tal da estreia, o seu brilhante desempenho valer-lhe-ia a primeira chamada à Selecção Nacional. Os sucessos como profissional sucediam-se-lhe. A cada partida, Humberto crescia mais, tornava-se maior. O seu jogo aéreo era impressionante; o seu sentido posicional era um estrondo; a maneira como tomava consciência de tudo o que corria à sua volta era só para os predestinados; e depois, tinha algumas coisas que faltavam à maioria dos da sua posição: sabia jogar com os pés e marcava muitos golos.
Todos estes predicados deram ao Benfica a segurança para a conquista de muitos títulos. Pelos "Encarnados" venceria, no cômputo das suas duas passagens (14 temporadas), 14 títulos: 8 Campeonatos, 5 Taças de Portugal e 1 Supertaça.
Já em 1975 surge-lhe uma proposta do PSG. Para Paris, abalava da "Luz" aquele que, no distante Verão de 1968, numa tournée pelo Brasil, Otto Glória tinha incumbido de "anular" Pelé - "Eu marquei-o e ele não marcou nenhum golo". Contudo, na capital francesa, o desempenho da sua equipa, acabaria por não ser condizente com a sua qualidade. A somar ao desaire colectivo, uma grave lesão num joelho, já no decorrer da sua segunda época, põe Humberto Coelho à margem das escolhas para o "onze". Pensa em sair. Mas ao contrário dos seus intentos, a direcção do clube parisiense tenta vendê-lo para o Internacional de Porto Alegre. Para Humberto, a ideia de tal transferência está longe do conceito de idílico. Ainda assim viaja para o Brasil. Na bagagem leva o intuito de arruinar as negociações. Consegue-o, exigindo um salário astronómico.
Regressa a Lisboa, mas pelo meio faz ainda uma, habitual naqueles tempos, passagem pelos EUA (Las Vegas Quicksilver). Assim, para a temporada de 1977/78 estava de volta um dos grandes símbolos do Benfica. Humberto era grande. No entanto, não o era somente pelas suas capacidades futebolísticas. Quem com ele partilhou os relvados, sabe, melhor do que ninguém, que o antigo defesa era, também ele, um líder; Humberto Coelho era a voz de comando, o indivíduo certo para lidar fosse que grupo fosse. Por essa razão exibiu a braçadeira de capitão, tanto no Benfica, como por Portugal. Com a "Camisola das Quinas" conseguiu ainda outro feito: o de igualar Eusébio no recorde de jogos internacionais. Mas se o orgulho de representar o seu país foi sempre inegável, seria também com as nossas cores que veria o precipitar do fim da carreira. Malfadada, não só essa partida entre Portugal e Finlândia resultou numa grave lesão, como fez com que Humberto Coelho perdesse a oportunidade de disputar um grande certame de selecções, o Euro 84.
Já depois de "penduradas as chuteiras", Humberto Coelho passou à condição de treinador. Começou no Sp.Braga, passou pelo Salgueiros, mas o grande momento nessas funções vivê-lo-ia por Portugal. Em jeito de compensação, apurou a nossa selecção para o Euro 2000. Na Holanda e Bélgica conseguiria o brilharete de, no "Grupo da Morte" (Inglaterra; Alemanha; Roménia), conseguir passar em primeiro. Conduziu-nos às meias-finais e só não chegámos à derradeira partida, como todos temos na memória, por causa de um controverso penalty.

455 - DAMAS

O mais incrível é que hoje poderia estar aqui a falar de Damas, o avançado. Não sei quem o fez ver o contrário, mas, segundo se conta, o sonho do miúdo Vítor até era o de jogar no ataque às redes. Acabou a defendê-las, pois, muito acima do que eram as suas habilidades com os pés, estava o jeito que mostrava com as mãos. Por certo não se arrependeu da escolha, no entanto, o trabalho que teve foi muito. Conta, quem se lembra de ver os treinos das camadas jovens leoninas, que por lá andava um rapaz de aparência elástica. Dizem os mesmos que Travassos, técnico da formação, já após o fim das ditas sessões, ficava a rematar à baliza. O tal miúdo bem reclamava o seu descanso - "sô Zé, não posso mais" -, mas nunca, nunca mesmo, ninguém o viu desistir.
Foi esta resiliência que o tornou num dos ícones dos Leões. Exibições impossíveis, sobre-humanas até, valeram-lhe o título de eterno. Há tantos exemplos disso, como por exemplo a nomeação para melhor jogador em campo, num jogo em que o Sporting (época 1970/71), em pleno Estádio da Luz, acabaria por perder por 5-1. O porquê de tal???!!! Isso mesmo que acabei de referir, simplesmente, uma prestação extraordinária.
Com tamanhas qualidades, Damas pareceu andar sempre um passo à frente daquilo que era suposto para a sua carreira. Chegou ao Sporting pela mão de um vizinho seu que, simultaneamente, também era atleta na equipa de Ténis de Mesa. Aos 15 já estava nos juniores, para aos 19, no jogo de despedida de Vicente Lucas e pela primeira vez na sua carreira, calçar as luvas na equipa principal. Bastaram-lhe 2 épocas para destronar o mítico Carvalho. A naturalidade que mostrava, a maneira exuberante como se fazia ao lances, as estiradas acrobáticas, toda a segurança que dava ao último reduto do "Leão", fizeram-no manter o estatuto de titular. Assim ficou durante 8 temporadas (10 nesta sua primeira passagem). Saiu para Espanha, mas não, sem antes, alimentar os periódicos com mais uma verdadeira novela. Quando, no decorrer da temporada 1975/76, informou os responsáveis do Sporting que não iria renovar, gerou-se o burburinho de que a sua nova morada seria o Estádio das Antas. Escreveu-se que o guarda-redes, também ele dono da baliza de Portugal, iria seguir José Maria Pedroto, assinando pelo FC Porto. O que realmente se passou, não sei. A verdade é que no início da temporada de 1976/77, Damas era apresentado como atleta do Santander, onde ficaria 4 anos.
Por certo que a sua ida para Espanha trouxe a Damas algumas vantagens. Chegou a ser eleito como o melhor estrangeiro a actuar na "La Liga", no entanto acabaria por perder o lugar de titular na selecção, dizem que por vingança de Pedroto (responsável técnico), para o benfiquista Bento.
Curiosamente, regressou a Portugal para trabalhar com esse mesmo treinador. Fê-lo no V. Guimarães, tendo daí passado para o Portimonense. O Regresso ao Sporting deu-se, apenas, depois de Damas ter disputado o Euro 1984. Tão tarde?! - perguntarão. Mas como disse Damas, com 32 anos, idade que tinha aquando do seu regresso, muitos já o viram como velho.
Jogou até aos 41. Pelo meio conseguiu merecer mais uma convocatória para um grande torneio. Esteve, então, no Mundial México 86, onde, após a lesão de Bento, assumiu a titularidade. Retirou-se em 1989, mas nunca se afastou do Sporting, onde manteve funções técnicas.
Após a sua prematura morte, Eusébio disse sobre a sua pessoa, algo que muitos também sentiram e que faz dele a lenda que é : “Nunca esquecerei a dignidade e o respeito mútuo. Damas era um senhor, um grande amigo, um grande homem e desportista de eleição. Será lembrado, eternamente, como um grande símbolo do futebol português”.

454 - TRAVASSOS

É engraçado como a vida nos entrega ao destino e como, por vezes, com antecedência, nos avisa qual será o nosso caminho. Com Travassos (ou Travaços) passou-se exactamente o mesmo. Nasceu em Lisboa, na Quinta do Lumiar. Para já, o nome não vos dirá muito. Mas posso dar-vos mais uma pista para que possam entender esta minha "introdução". Então, e se vos falar da Bancada Nova do antigo Estádio de Alvalade???!!! Pois é, Travassos nasceu no mesmo local onde a dita estrutura do estádio leonino foi erguida. Mas o mais engraçado é que esta "predestinação" chegou a ser posta em causa. Diz-se que quando Travassos decidiu, pela primeira vez, ir prestar provas ao Sporting, todos o acharam franzino de mais para a prática desportiva. O treinador Jesef Szabo (o mesmo que aqui já falámos sobre o FC Porto) chegou mesmo a sentenciar o jovem Travassos a comer mais batatas e bacalhau, recusando a este o seu desejo de jogar no Sporting.
Foi por essa razão, e porque lá também teria garantia de emprego, que, anos mais tarde, seguiu para a CUF. No Barreiro, onde se havia de estrear como sénior, rapidamente começou a despertar a atenção de outros emblemas nacionais. É deste modo que surge, no seu concurso, o FC Porto. Aqui começa uma daquelas novelas típicas do futebol. Inicia-se tudo com o dito contacto do FC Porto e com o apalavrar de um acordo. Depois vem o Sporting, que esconde o atleta algures em Torres Vedras, enquanto tenta um acordo com a CUF. Mais uma vez surge o FC Porto, que consegue convencer o jogador a viajar para o Norte. Já na "Cidade Invicta", Travassos, por um misto de culpa e paixão pelo clube, telefona aos "Leões", informando-os do seu paradeiro.
Com o fim do imbróglio, Travassos assina pelo emblema do seu coração. Rapidamente, a sua inteligência em campo, a maneira fácil como fazia os outros jogar e a sua técnica irrepreensível, fizeram com que ganhasse o seu espaço no "onze" do Sporting. Com ele e com Vasques, que chegara para a mesma temporada, estava completa aquela que seria a linha avançada mais famosa do futebol português, ou como o jornalista Tavares da Silva a baptizou, "Os Cinco Violinos".
Essa portentosa equipa do Sporting, onde Travassos ocupava a posição de interior direito, acabou por dominar o futebol nacional durante o final dos anos 40 e durante uma boa parte dos anos 50. Por essa razão, o seu rol de troféus é riquíssimo e incluí, nada mais, nada menos, do que 8 Campeonatos Nacionais e 2 Taças de Portugal.
Apesar de todo o sucesso que conseguiu no nosso país, nada mais o projectou internacionalmente que a chamada à selecção da UEFA. Nunca antes, algum futebolista português tinha tido tamanha honra. Diz-se que Travassos estava de férias na Costa da Caparica quando recebeu a boa nova. Como se encontrava parado já há algum tempo, decidiu, pelos seus próprios meios e porque não que queria fazer má figura durante a partida, recuperar a boa forma física. Nesse desafio disputado em Belfast, a 13 de Agosto de 1955, Travassos cotar-se-ia como um dos melhores em campo e tal desempenho valeu-lhe o epíteto pelo qual ficaria conhecido para o resto da sua vida, o de "Zé da Europa".

453 - VIRGÍLIO

Nascido no Entroncamento, foi no Ferroviário local que Virgílio deu os seus primeiros pontapés na bola. Tão auspiciosa foi a sua estreia que logo o Benfica se destinou para o contratar. Foi, então, passar 3 semanas a Lisboa, para que, às ordens de Vítor Silva, antigo atleta das "Águias" e, à altura, o treinador dos juniores, pudesse mostrar as suas qualidades. Não agradou. Por essa razão voltou à sua terra natal e aos ofícios de serralheiro mecânico. Mas a maneira como disputava cada partida, deixava os responsáveis de outros clubes, cada vez mais, embevecidos pelas suas habilidades. Surge ainda o "O Elvas" na sua corrida, mas o salário que lhe ofereciam não era suficientemente compensatório para que pudesse deixar, de vez, a sua profissão. É então que um dia, em plena oficina onde trabalhava, aparece um tal de Soares dos Reis. A pessoa em causa era, nada mais nada menos, do que o antigo guarda-redes internacional e figura incontornável do Futebol Clube do Porto. A sua missão era simples e passava por convencer o jovem rapaz a ir treinar-se ao Campo da Constituição. Virgílio aceitou e tão bom ar deu de si que o treinador Jesef Szabo já não o deixou partir.
Contudo, ao contrário daquilo porque hoje o reconhecemos, Virgílio começou por jogar a interior esquerdo. Só mais tarde, já com algum tempo de "Azul e Branco", é que o argentino Scopelli o fez recuar no campo, mas, ainda assim, para defesa esquerdo. Finalmente, seria o técnico Eládio Vaschetto a indicar o caminho certo, e a mostrar-lhe a direita como a lateral que o faria famoso. Pois sim, seria desse lado da defesa que Virgílio faria da sua carreira algo de notável. Para ele, o segredo era simples e passava pela maneira como se entregava àquela que era a sua grande paixão: o futebol. Em suma, Virgílio era corajoso, generoso no seu jeito intrépido de se entregar ao jogo, perfeito nas antecipações, mas com um sentido táctico tremendo, que o fazia, tantas vezes, avançar pelo campo fora, para auxiliar os seus colegas no ataque.
Foram estas suas características que a 27 de Fevereiro de 1949, levou para campo. A partida, em Génova, opunha Itália a Portugal. Apesar da categórica derrota que a nossa selecção sofreria (4-1), houve uns quantos atletas que, pela maneira incansável como lutaram até ao último folgo de jogo, ficaram na retina de todos os que ali assistiam à disputa. Um dos nomes foi o de Virgílio. Espantosamente, ele que se estreava com a "camisola das quinas", nunca acusou o nervosismo de tal responsabilidade. Aliás, rubricaria uma exibição memorável e, pela maneira como anulou o extremo Carapelese, ganharia a alcunha de "Leão de Génova".
Foi a partir deste momento que o portista ganhou uma legião invejável de fãs. Tal fenómeno fez com que os grandes colossos do futebol europeu começassem na sua peugada. Real Madrid e Barcelona perfilavam-se como os principais clubes que serviriam para a nova morada do atleta, mas a sua devoção e sentido de gratidão pelo emblema que o projectara, foi o suficiente para o fazer recusar todos os convites. Manteve-se pelo Porto, no total de toda a sua carreira, por 16 temporadas. Venceu dois Campeonatos Nacionais e duas Taças de Portugal (a de 1955/56 foi a primeira para o FC Porto). Voltou a negar a mudança de cidade quando o Celta de Vigo lhe ofereceu uma proposta milionária. Sobre tal disse: "trocar de camisola apenas por dinheiro, se não era violentar o coração e o clube, era, pelo menos, aceitar viver como um mercenário".

452 - FRANCISCO FERREIRA

O seu amor à modalidade era de tal ordem que, com uns amigos, decidiu formar um clube. Então, numa partida dos Tigres do Telheiro, o tal emblema fundado por si, Francisco Ferreira haveria de ser descoberto pelo antigo técnico portista Jesef Szabo. Foi assim que, cedo na sua vida, começou por envergar a camisola do FC Porto. Chegou à primeira categoria com 17 anos, para logo na sua época de estreia, numa final frente ao Sporting, ajudar os "Dragões" a conquistar o Campeonato de Portugal de 1936/37. O pior foi quando, quase no final da temporada que se seguiria, decide pedir um aumento de salário. Como resposta obteve o seguinte ultimato: "O senhor ou assina a ficha ou põe-se na rua, porque não queremos malandros cá dentro a pedirem dinheiro". Sentiu-se ofendido com a maneira como os dirigentes portistas abordaram a questão e prometeu, peremptoriamente, que nunca mais vestiria a camisola do clube. Então entrou em cena Ilídio Nogueira, importante adepto benfiquista, que sendo da cidade do Porto e sabendo do sucedido, acabaria por trazer o médio para o Benfica. Já depois de estar em Lisboa, diz-se que o FC Porto enviou à capital Carlos Pereira, seu antigo colega nos "Azuis e Brancos", para o tentar convencer a regressar. Forte de personalidade, para Francisco Ferreira, apelo nenhum o faria voltar atrás na sua palavra. Assim foi, e nem a promessa de um contrato ao nível dos melhores para a altura, fez com que o médio se arrependesse da decisão tomada por si.
Encetou assim um ciclo de 14 temporadas de "Águia" ao peito. No Benfica, a maneira implacável como encarava a disputa de todos os lances, o seu jeito destemido e abnegado, acabaram por fazer dele um símbolo do emblema. Não era um virtuoso de bola nos pés; não procurava fintar os adversários. Contudo, era pragmático o suficiente para saber que a sua melhor arma era o desarme, era a maneira como, defensivamente, sabia impor-se.
Venceu e fez vencer. Ganhou 4 Campeonatos Nacionais e 6 Taças de Portugal e só faltou à vitória da Taça Latina de 1950, ele que por essa altura era o capitão do Benfica, pois encontrava-se lesionado. Mas a maior angustia que viveria à custa do futebol, teria a ver com um jogo de homenagem, prestado em seu tributo, e numa altura em que já pensava em retirar-se. A triste história começaria, no entanto, uns tempos antes. Numa altura em que era indiscutível na selecção, ele que chegou a deter o recorde absoluto de internacionalizações (25), Portugal deslocou-se a Génova para um jogo. Após a partida entre a Itália e Portugal, o presidente do Torino, o Comendador Novo, impressionado com o seu desempenho, pede para falar com ele. O seu propósito inicial seria o de o cativar a vestir a camisola do clube que dirigia. Infrutuosos os esforços, pois Francisco Ferreira recusaria o contrato milionário que lhe ofereceriam, o passo seguinte foi a troca de contactos. Francisco Ferreira guardaria o cartão oferecido e assim, quando inicialmente pensou no fim da sua carreira, telefonou ao Comendador Novo. Foi por essa razão que o Torino, possivelmente a melhor equipa europeia da altura, com jogadores como Mazzola, se apresentou em Lisboa. O Benfica acabaria por vencer 4-3, mas a proeza do resultado rapidamente seria esquecida, pois na viagem de regresso, o avião que transportava toda a comitiva italiana, despenhar-se-ia, matando todos os que nele viajavam. A notícia da tragédia correu mundo. Como é compreensível, o choque atingiu, e de que maneira, o espírito de Francisco Ferreira que, no intuito de amenizar a dor dos familiares dos malogrados atletas, decide doar aos mesmos todo o dinheiro angariado na dita partida.
Francisco Ferreira prosseguiria, por mais duas épocas, a sua vida como profissional de futebol. Depois da inauguração do Estádio das Antas, onde o Benfica venceria por 8-2, o capitão decide anunciar, ainda em pleno balneário, o fim da sua carreira. Os seus colegas anuiriam às suas explicações, no entanto far-lhe-iam um pedido final: que Francisco Ferreira os comandasse numa última partida. Assim foi e, num Estádio do Jamor apinhado de gente, o Benfica venceria, frente ao Sporting (5-4), a Taça de Portugal de 1951/52.

451 - SOEIRO

Tendo começado a sua carreira no Luso do Barreiro, desde cedo começou a demonstrar a sua veia goleadora. Assim, ainda a representar o emblema da margem sul do Tejo, Soeiro seria convocado pela primeira vez a representar a selecção nacional de futebol. Logo aí, como parecia ser o seu apanágio, o atacante não deixaria os seus créditos em mãos alheias e brindaria a sua estreia, naquela que foi uma vitória de 3-2 sobre a congénere jugoslava, com um golo da sua autoria.
Com o destaque de que gozava, tanto pelos desempenhos com a camisola do Luso, como com as cores de Portugal, Soeiro começou a despertar a cobiça do Sporting. Para lá se mudou em 1933 e para, mais uma vez, na sua primeira partida, desta feita frente ao Barreirense, concretizar um golo. Mas, claro está, a chave para o sucesso que conseguiu ao longo da sua carreira, não foi apenas aquilo que eram as suas naturais habilidades dentro de campo. Soeiro sempre foi reconhecido como um atleta muito regrado. Por exemplo, conta-se que, já após ter sido descoberto pelo antigo futebolista leonino, Filipe dos Santos, tinha por habito de, ainda em sua casa, acordar de madrugada, para repetir os exercícios físicos que ia aprendendo nos treinos do Luso. Toda esta sua dedicação valeu-lhe a devoção dos adeptos. Alimentou-a, como é lógico para alguém na sua posição, com muitos golos. Conseguiu, desse modo, tornar-se num dos melhores marcadores da história do Sporting, com a espantosa marca de 209 golos em 219 partidas.
Pela selecção nacional as suas marcas também são dignas de registo. Pode dizer-se que, durante os anos 30, foi um dos atletas que mais vezes envergou a "camisola das quinas", acumulando, numa altura em que os desafios entre as equipas representativas de países eram escassos, um total de 10 internacionalizações e 5 golos.
Soeiro ficará, para sempre, na história do futebol português como um dos mais prolíferos avançados de todos os tempos. Conseguiu atingir o topo da lista dos melhores marcadores em 1934/35 (1ª edição do Campeonato da Liga), repetindo a proeza em 1936/37. No entanto, há uma outra particularidade que, desde sempre, me despertou a atenção, e isso foi a sua capacidade de não perder a qualidade exibicional aquando dos momentos decisivos. Por exemplo, logo no final da sua primeira temporada de "leão ao peito", naquele que foi o derradeiro encontro do Campeonato de Portugal, marcou 4 golos contra o Barreirense.
Mais uma curiosidade: Soeiro é tio de Vasques, acabando por ter sido ele um dos principais responsáveis pela ida do segundo, que foi "apenas" um dos 5 violinos, para o Sporting.

450 - JORGE VIEIRA

Por culpa do tempo, que tem o hábito de ir esbatendo as conquistas e qualidades daqueles que já não se encontram entre nós, provavelmente, muitos já não se lembrarão que Jorge Vieira é um dos nomes incontornáveis do futebol português. Sim, isto é um facto. Contudo, a piada disto tudo é que o antigo atleta do Sporting é merecedor de figurar nos livros, não só pelo que fez dentro de campo. Huuummm!!! Não é bem assim!!! Isto está a tornar-se muito complicado, não é? Então é melhor irmos com calma e contar as coisas uma de cada vez!!!
Jorge Vieira era ainda um miúdo quando descobriu a paixão pelo futebol, mas, sobretudo, o amor que tinha pelo Sporting. Foi por essa razão, tinha ele apenas 9 anos de idade, que decide sair de sua casa, no Dafundo, e percorrer a pé os quilómetros que separavam a sua morada do campo onde o Sporting iria jogar (Campo da Quinta Nova - Carcavelos). Para quê?! - dizem vocês. Para assistir a um pouco de história; para assistir ao primeiro "derby" lisboeta entre "Águias" e "Leões".
Foi essa mesma vontade que o fez ir prestar provas ao clube do seu coração. Ficou. Começou nas categorias mais baixas, mas aos 17 anos já era parte integrante da equipa principal. Dizem que pelo seu físico, o seu caminho fez-se na defesa. Aí era dono e senhor de um belíssimo jogo de cabeça e exímio no que aos desarmes diz respeito. Ainda assim, Jorge Vieira não era só destruição. Também ele sabia pôr a bola em jogo e, adepto que era do típico futebol directo inglês, uma bola nos seus pés, transfigurava-se, velozmente, num lançamento para os colegas que procuravam a contra-ofensiva.
Jorge Vieira, rapidamente se transformou num dos símbolos leoninos. Era uma atleta admirado, mas, essencialmente, era um Homem respeitado pela conduta integra que sempre mostrou dentro de campo. Quando Francisco Stromp decidiu abandonar a competição, em 1924, Jorge Vieira tomou o seu lugar como capitão de equipa. Incontestável que era no Sporting, e na sua qualidade de jogo, por esta altura, também ele, já era um dos nomes habituais da selecção. Aliás, a sua estreia com a "camisola das quinas" coincidiria com a primeira partida da mesma, o mítico Espanha - Portugal, de 18 de Dezembro de 1921. Pelo nosso país, onde nos 18 primeiros jogos da selecção só falhou apenas um, também se fez capitão. Foi já nessa condição que chegou aos Jogos Olímpicos de 1928. Então, envergando a braçadeira, comandou os seus colegas no primeiro grande certame internacional em que Portugal participou.
Até poderia acabar assim a história de Jorge Vieira, mas a verdade é que estaria a cometer uma grande falha. Então, parece que me estou a esquecer de algo muito importante, não é? Claro que sim! Como, de uma forma atabalhoada, tentei dizer de início, Jorge Vieira não foi só um grande futebolista. É que, conhecedor como era das regras de jogo, haveria de ser chamado em 1921 (sim, ainda era jogador!!!), a arbitrar uma partida. Foi deste modo que, nesse Espanha - Bélgica, disputado em Bilbao, Jorge Vieira, para além de grande atleta que era, passou também a ser o primeiro árbitro internacional português.

100 ANOS DE FPF

Temos, como sabem, a tradição de comemorar muitas efemérides do futebol, principalmente quando elas nos são mais próximas. No entanto, perdoem-me se ofendo alguém, este mês cumpre-se um dos aniversários mais importantes do desporto português. Não tem só a ver com o número redondo que nos dá o centenário, só por si digno de registo, mas também pelo facto de ser a história daquela que gostamos de apelidar como a "equipa de todos nós". Assim, no mês em que comemora o 100º aniversário, o "Cromo Sem Caderneta" dá os parabéns à Federação Portuguesa de Futebol.