137 - EUSÉBIO

E se vos disser que a contratação do melhor jogador português de todos os tempos terá começado numa "amena cavaqueira" de barbearia?! Espantados?! Segundo é contado, Bela Guttmann terá tido com o treinador que o sucedeu no São Paulo, José Carlos Bauer, um encontro em Lisboa. O clube brasileiro andava em tournée e a conversa, no tal estabelecimento comercial, levaria à revelação, por parte do brasileiro, da existência de um jogador em Moçambique, que ele próprio observara e que tinha, sem sucesso, tentado convencer a sua direcção a contratar. Como já adivinharam, o craque referenciado era Eusébio, um tal jovem que, anos antes, não ficara no Desportivo, filial benfiquista na capital moçambicana porque, como haveria de contar Coluna, “o roupeiro, não sei porquê, disse que não havia mais equipamento para lhe dar”*!
Para azar das "Águias", Eusébio passou a jogar no Sporting de Lourenço Marques, "dependência" do seu grande rival lisboeta. No entanto, não havia de ser esse contratempo que faria desistir o Benfica. Obviamente, o Sporting, o de Lisboa, já tinha dado conta do diamante que tinha em mãos. O que não esperavam é que à mãe de Eusébio não agradasse, em nada, a ideia do seu filho vir para Alvalade sem contrato profissional e para jogar “à experiência”, pelos juniores leoninos. Como resultado dessa indignação, Dª Elisa, tal como já tinha feito anteriormente aquando de uma proposta da Juventus, acabaria por impedir a partida do jovem praticante. No entanto, o Benfica saberia convencê-la. Duzentos e cinquenta contos em “dinheiro fresquinho” e Eusébio passou a estar pronto para embarcar em direcção a Lisboa... sob o nome de Ruth Malosso!!!
Na "Luz" congeminava-se toda maneira possível para defender o novo "tesouro". Para além da identidade falsa, e com medo que alguém, já em Portugal, o desviasse, Eusébio seria levado até à assinatura do contrato, para uma unidade hoteleira no Algarve. Mas a verdadeira protecção, aquela que a mãe queria para o seu filho de 18 anos, foi pedida numa carta enviada a um conterrâneo - "A mãe está a pedir para o senhor Coluna tomar conta de mim, que aqui não conhecemos ninguém"*. Assim foi feito. No dia seguinte o "capitão" levou-o a abrir uma conta bancária, mas segundo o mesmo , "Eu é que fiquei com a caderneta. Todos os meses, quando ele recebia, íamos juntos à Caixa fazer o depósito e eu dava-lhe 500 escudos (...) Depois levei-o ao meu alfaiate e mandei fazer dois fatos para ele. Mandei que ele escolhesse, para ele andar vestido igual aos colegas"*.
Só faltava a estreia. A mesma aconteceria em Maio de 1961, após meses de burocracias, num particular contra o Atlético, vésperas da partida dos “Encarnados” para a disputa da final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, em Berna. Eusébio não seria aposta na conquista do troféu, mas o "hat-trick" na partida contra o conjunto de Alcântara, passaria a justificar mais oportunidades. Sensivelmente passado um mês, depois de já ter marcado uns quantos golos em jogos oficiais, participaria no Torneio de Paris. Na capital francesa, frente à equipa de Pelé, concretizaria 3 golos, o que levou, anos mais tarde, o craque brasileiro a confessar – "(...) os jogadores do Santos, todos eles, eu próprio, dizíamos que aquele rapaz era um grande jogador"**.
Começava a nascer a fama daquele miúdo que tinha chegado de África. Porém, a confirmação do seu valor aconteceria na final europeia de 1962, a segunda consecutiva para o Benfica. Em Amesterdão, estava o "placard" a favor do Real Madrid, 2-3, quando surge uma grande penalidade. Eusébio preparava-se para cobrar a falta sobre ele cometida, quando Santamaría, defesa adversário, abeira-se dele e chama-lhe "maricon". Eusébio, sem entender, pergunta a Coluna o que é que o espanhol tinha dito. Este pede-lhe apenas duas coisas: "Marca o golo e chama-lhe cabron”***. O remate sairia certeiro; o impropério guardá-lo-ia para si. No final da partida, o avançado sairia em ombros e admirado por muita gente. Entre eles estava o jornalista britânico Desmond Hackett que escreveria: "Eusébio, a Pantera Negra, estraçalhou o Real Madrid”.
Nascia assim o epíteto que passaria a adornar a lenda. Mas, como é lógico, os heróis não se alicerçam apenas em cognomes e a carreira do atacante, que será para sempre um mito, tornar-se-ia num sinónimo de metas ultrapassadas. Para além da já referenciada vitória na Taça dos Clubes Campeões Europeus, atingiria ainda, apesar do desgosto da derrota, mais 3 finais. Vestiria também as camisolas da UEFA e da FIFA. Com as cores do Benfica, o que ainda hoje são recordes, ganharia 11 Campeonatos Nacionais e 7 troféus de Melhor Marcador, sendo que 2 desses prémios permitiram a conquista de 2 Botas de Ouro.
Em 1965 seria o primeiro português a ser agraciado com o prémio Ballon d'Or da France Football. A publicação francesa parecia estar a estender-lhe a passadeira vermelha para aquilo que viria ser um dos grandes momentos da sua carreira. No ano seguinte, em Inglaterra, disputava-se o Campeonato Mundial de Selecções. A equipa portuguesa, que de longe era considerada uma das mais fortes, acabaria por ficar em 3º lugar. "Os Magriços" fariam jogos notáveis. Para a memória ficaria a partida da Fase de Grupos, em que venceriam o Brasil por 3-1, com 2 golos do "Pantera", ou o desafio dos Quartos-de-Final frente à Coreia do Norte, em que, a perder por 0-3, quatro remates certeiros de Eusébio contribuiriam para uma estrondosa reviravolta, que só acabaria nos 5-3.
Tendo o torneio inglês terminado com o atacante luso no 1º lugar da lista de Melhores Marcadores e glorificado como um craque mundial, Eusébio começou a ser cobiçado por outros clubes. Durante o auge da sua carreira muitas foram as propostas para que fosse para o estrangeiro. De Itália a Juventus e o Inter de Milão, ou o Real Madrid de Espanha, por várias vezes apresentaram negócios tentadores, mas que seriam sempre travados pelo então Presidente do Concelho de Ministros. António Salazar, por considerar Eusébio "Património do Estado", impediria sempre a sua saída de Portugal. Anos passados, quando os desabafos já eram possíveis, Eusébio diria – “Então eu mal conheço a pessoa, não é da minha família, como é que podia impedir-me de ir ganhar aquela pipa de massa?”***. Embora contrariado, manteve-se por Lisboa. Já nos últimos anos como futebolista, depois da despedida do Benfica, “voou” até ao Continente americano, onde, entre o Canadá, EUA e o México representou vários emblemas. Nos intervalos regressou e acabou por jogar com as cores do Beira-Mar e União de Tomar.
Nunca serão suficientes os agradecimentos e as homenagens para compensar o que fez pelo "mundo da bola". Há no entanto algumas bem bonitas, como a do poema de Manuel Alegre ou aquela em que Vítor Baptista, sócio do Benfica radicado nos EUA, quis, contrariando a ordem estabelecida, que Eusébio lograsse em vida de uma estátua sua à entrada do Estádio da "Luz".
Sabemos que continuará, por muitos mais anos, tanto como embaixador da Selecção ou do Benfica, a agraciar os fãs com a sua presença... por isso "long live the King"!!!

*retirado do artigo publicado em https://expresso.pt, a 15/12/2010
**retirado do artigo de João Malheiro, publicado em http://www.destak.pt, a 18/04/2010
***retirado de https://serbenfiquista.com/forum/index.php?topic=22362.60, publicado a 16/02/2008, por “Ednilson”

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