452 - FRANCISCO FERREIRA

Pelo amor à modalidade, Francisco Ferreira, juntamente com um grupo de amigos, decidiu fundar os Tigres do Telheiro. Quis a felicidade que, numa partida do referido emblema, o jovem jogador fosse observado por Josef Szabo. Descoberto pelo técnico luso-magiar, ainda muito novo começou a envergar a camisola do FC Porto. Na colectividade da “Cidade Invicta” e com apenas 17 anos de idade, chegou à primeira categoria. Logo nessa época de estreia, numa final frente ao Sporting, ajudou os “Dragões” a conquistar o Campeonato de Portugal de 1936/37. O pior aconteceu quando, com o final da temporada à vista, decidiu exigir um aumento de salário. Como resposta obteve o seguinte ultimato: "O senhor ou assina a ficha ou põe-se na rua, porque não queremos malandros cá dentro a pedirem dinheiro"*. Ao sentir-se ofendido pela maneira como os dirigentes portistas tinham abordado a questão, prometeu, peremptoriamente, nunca mais vestir a camisola dos “Azuis e Brancos”. Então, entrou em cena Ilídio Nogueira, importante adepto benfiquista que, ao saber do sucedido, encaminhou o médio para as “Águias”. Já em Lisboa, o atleta recebeu a visita de Carlos Pereira, antigo colega no conjunto nortenho, a tentar convencê-lo a regressar. De personalidade forte, apelo algum fê-lo voltar atrás na palavra jurada e nem a promessa de um contrato ao nível dos melhores jogadores do FC Porto resultou num arrependimento da decisão a levá-lo até à capital.
Com a mudança de colectividade, Francisco Ferreira encetou um ciclo de 14 temporadas a vestir de “encarnado”. No Benfica a partir de 1938/39, a maneira implacável como encarava a disputa de todos os lances, o jeito destemido e abnegado, acabou por fazer dele um símbolo do emblema lisboeta. Ainda assim, não era um virtuoso com a bola nos pés, nem procurava fintar os adversários. Contudo, era pragmático o suficiente para saber que a sua melhor arma era o desarme, era a maneira como sabia impor-se defensivamente. Pelas “Águias” venceu e fez vencer. Ganhou 4 Campeonatos Nacionais e 6 Taças de Portugal e só não participou na vitória da Taça Latina de 1950, pois, por essa altura, encontrava-se lesionado.
Apesar da paixão pela modalidade, o futebol também trouxe ao médio canhoto uma das maiores angústias da vida. A triste história, numa altura em que era um dos indiscutíveis da selecção, começou por altura de uma deslocação de Portugal a Génova. Após o termo da partida frente a Itália, o Presidente do Torino, o Comendador Novo, impressionado com o seu desempenho, pediu para falar com ele. Com o propósito inicial da conversa a desenovelar um convite para passar a envergar a camisola da colectividade transalpina, os argumentos apresentados a Francisco Ferreira, entre os quais estava um contrato milionário, transformaram-se em esforços infrutuosos. Seguiu-se uma troca de contactos, com o atleta a guardar o cartão oferecido pelo dirigente. Algum tempo depois, numa altura em que já pensava retirar-se da competição, por razão de uma possível partida de homenagem, o internacional luso que, com 25 chamadas, chegou a deter o recorde de presenças em campo com a “camisola das quinas”, telefonou ao líder dos “Granata”. Em Lisboa, o Torino, possivelmente uma das melhores equipas da altura e com jogadores como Valentino Mazzola, viu-se derrotado por 4-3. Todavia, a proeza rapidamente foi esquecida, pois, na viagem de regresso, o avião a transportar toda a comitiva italiana despenhou-se, matando todos os que nele viajavam. A notícia da tragédia correu mundo. Compreensivelmente, o choque do desastre aéreo atingiu o espírito do capitão benfiquista que, no intuito de amenizar a dor das famílias dos malogrados, decidiu doar às mesmas todo o dinheiro angariado no encontro em seu tributo.
Francisco Ferreira prosseguiu, por mais duas épocas, a vida como profissional de futebol. Depois da inauguração do Estádio das Antas, onde o Benfica venceu por 8-2, o capitão decidiu anunciar, ainda em pleno balneário, o fim da carreira. Os seus colegas anuiriam às suas explicações. No entanto, fizeram-lhe um pedido final, ou seja, que médio os comandasse numa última partida. Assim foi e num Estádio Nacional do Jamor apinhado de gente, o Benfica venceu, frente ao Sporting (5-4), a Taça de Portugal de 1951/52.

*retirado de “100 figuras do futebol português”, de António Simões e Homero Serpa, A Bola, 1996

Sem comentários: