Depois de começar a prática do futebol em Angola, onde, a exemplo, chegaria a brilhar na selecção do Lobito frente a um Sporting Clube de Portugal em digressão por África, Daniel Chipenda seria contratado pelo Benfica. Na viagem em direcção a Lisboa, em meados de 1954, teria a companhia de Joaquim Santana, futura estrela das “Águias” e vencedor da Taça dos Clubes Campeões Europeus. Conta-se que, durante a longa travessia marítima, cientes das exigências que os esperavam, treinavam nos corredores do navio. Mesmo tendo em conta a dedicação, a vida do avançado, num plantel recheado de craques, em nada seria facilitada. Marcaria poucas presenças no conjunto principal, onde a estreia, com 2 golos a brindar o triunfo frente ao Atlético, aconteceria pela mão de Otto Glória, em Fevereiro de 1957. Em abono da verdade, a sua presença far-se-ia notar, principalmente, na categoria de “reservas”. Ainda assim, as partidas disputadas pelos “Encarnados” dar-lhe-iam alguns títulos e o atacante deixaria o emblema “alfacinha” com a vitória no Campeonato Nacional de 1956/57 a abrilhantar-lhe o currículo.
Seguir-se-ia a Académica de Coimbra e o intuito de prosseguir os estudos. Com a entrada na “Briosa” a acontecer na temporada de 1958/59, a passagem de Chipenda pela “Cidade dos Estudantes”, muito mais do que alavancar a sua caminhada desportiva, iria despertá-lo para causas maiores. Retornando, por agora, ao futebol, a sua primeira temporada de “negro” voltaria a sublinhar as qualidades que, anos antes, haviam justificado a aposta por parte do Benfica. Ao afirmar-se como uma presença habitual no “onze” da equipa beirã, o atacante começaria a ser tido como uma das figuras de proa do plantel. Manter-se-ia como parte integrante da equipa até à derradeira jornada da campanha de 1961/62, a partir da qual outros sonhos passariam a desenhar, de forma bem diferente, a sua vida – “Eu entrei na luta política mais concretamente e diretamente em 1960, porque eu em 59 vim a Luanda. Vim a Luanda integrado na equipa da Associação Académica de Coimbra […]. E é precisamente em Luanda, numa tarde [em] que eu fui convidado a almoçar em casa da tia Tereza de Carvalho, onde depois tive uma reunião em casa do mais velho Veríssimo Costa, o pai do Desidério, e do velho Mingas. Esses dois mais velhos disseram precisamente que eles estavam a trabalhar […], que devíamos nos preparar porque a movimentação que se estava fazendo aqui estava a ganhar forma e consistência e que nós iríamos ser chamados para participar nesta luta”*.
Com a luta dos estudantes em 1962, o lado político de Daniel Chipenda iria, em definitivo, tomar outra feição. Sendo um dos nomes debaixo do radar da PIDE, ainda nos anos que antecederiam os protestos em Coimbra, na sua vida desenrolar-se-iam episódios, eufemisticamente falando, curiosos. Um deles, relatado pelo próprio, aconteceria, mais uma vez, na companhia do amigo Joaquim Santana – “Ao chegar de Amesterdão, o Quim foi ter comigo. Fizemos festa na República dos Milionários, no regresso ao quarto, disseram-me que tinha havido telefonema para nós. Pensei que era complicação. Meti-me imediatamente no carro de Quim para Lisboa. Na Figueira, a PIDE mandou para o Fiat. O Quim, que nunca levava nada a sério, era tremendo brincalhão, sempre a fazer partidas a toda a gente, gritou-lhes: «Vocês sabem quem eu sou, sou bicampeão europeu, portanto identifiquem-se os senhores!». Ficámos, várias horas a torrar ao sol dentro do carro, com a PIDE ali - sem saber o que nos iria acontecer…”**.
A “Crise Estudantil” transformar-se-ia no derradeiro interruptor para o avançado. Já com os passos bem controlados, seria o “capitão” Mário Wilson a conseguir convencer os responsáveis da PIDE a deixar Chipenda marcar presença num exame, ainda que escoltado e transportado num automóvel da polícia política. Também os jogos da Académica seriam afectados pela revolta. A partida frente ao Beira-Mar, referente à penúltima jornada do Campeonato de 1961/62, por ordem do Ministro da Educação, seria adiada. Todavia, a ideia da falta de comparência, em solidariedade com a luta, manter-se-ia bem viva no seio do plantel. Com a última ronda a aproximar-se, as conversas sobre que posições haveriam de tomar, passariam o tomar conta das rotinas do balneário. Tendo a maioria dos jogadores decidido participar no embate frente ao Sporting, Chipenda, com a mulher e os companheiros de equipa, França, Araújo e José Júlio fugiriam para o Algarve e daí, usando para a travessia uma traineira, escapariam para Marrocos.
O passo seguinte levá-lo-ia a Angola, onde Chipenda viria a tornar-se num dos dirigentes do MPLA e figura de proa da luta pela independência. Conta-se que, já como comandante da “Frente de Leste”, mandaria parar as manobras militares, por razão da hipotética presença no contingente português do seu antigo colega na Académica, o também avançado Jorge Humberto. Já em 1974, em Lusaka, e como mentor de uma das facções em discordância com Agostinho Neto, viria a ser eleito líder do movimento. Mais tarde, viria a juntar-se ao FNLA, para, na década de 1990, regressar ao MPLA.
*retirado do artigo de Victor Andrade de Melo, “Jogando no olho do furacão: o desporto na Casa dos Estudantes do Império (1944-1965)”, publicado em “Análise Social, 223, LII (2.º)”, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2017
**retirado de http://oindefectivel.blogspot.com, publicado em Fevereiro de 2019, citando um artigo de António Simões, em “A Bola”
Seguir-se-ia a Académica de Coimbra e o intuito de prosseguir os estudos. Com a entrada na “Briosa” a acontecer na temporada de 1958/59, a passagem de Chipenda pela “Cidade dos Estudantes”, muito mais do que alavancar a sua caminhada desportiva, iria despertá-lo para causas maiores. Retornando, por agora, ao futebol, a sua primeira temporada de “negro” voltaria a sublinhar as qualidades que, anos antes, haviam justificado a aposta por parte do Benfica. Ao afirmar-se como uma presença habitual no “onze” da equipa beirã, o atacante começaria a ser tido como uma das figuras de proa do plantel. Manter-se-ia como parte integrante da equipa até à derradeira jornada da campanha de 1961/62, a partir da qual outros sonhos passariam a desenhar, de forma bem diferente, a sua vida – “Eu entrei na luta política mais concretamente e diretamente em 1960, porque eu em 59 vim a Luanda. Vim a Luanda integrado na equipa da Associação Académica de Coimbra […]. E é precisamente em Luanda, numa tarde [em] que eu fui convidado a almoçar em casa da tia Tereza de Carvalho, onde depois tive uma reunião em casa do mais velho Veríssimo Costa, o pai do Desidério, e do velho Mingas. Esses dois mais velhos disseram precisamente que eles estavam a trabalhar […], que devíamos nos preparar porque a movimentação que se estava fazendo aqui estava a ganhar forma e consistência e que nós iríamos ser chamados para participar nesta luta”*.
Com a luta dos estudantes em 1962, o lado político de Daniel Chipenda iria, em definitivo, tomar outra feição. Sendo um dos nomes debaixo do radar da PIDE, ainda nos anos que antecederiam os protestos em Coimbra, na sua vida desenrolar-se-iam episódios, eufemisticamente falando, curiosos. Um deles, relatado pelo próprio, aconteceria, mais uma vez, na companhia do amigo Joaquim Santana – “Ao chegar de Amesterdão, o Quim foi ter comigo. Fizemos festa na República dos Milionários, no regresso ao quarto, disseram-me que tinha havido telefonema para nós. Pensei que era complicação. Meti-me imediatamente no carro de Quim para Lisboa. Na Figueira, a PIDE mandou para o Fiat. O Quim, que nunca levava nada a sério, era tremendo brincalhão, sempre a fazer partidas a toda a gente, gritou-lhes: «Vocês sabem quem eu sou, sou bicampeão europeu, portanto identifiquem-se os senhores!». Ficámos, várias horas a torrar ao sol dentro do carro, com a PIDE ali - sem saber o que nos iria acontecer…”**.
A “Crise Estudantil” transformar-se-ia no derradeiro interruptor para o avançado. Já com os passos bem controlados, seria o “capitão” Mário Wilson a conseguir convencer os responsáveis da PIDE a deixar Chipenda marcar presença num exame, ainda que escoltado e transportado num automóvel da polícia política. Também os jogos da Académica seriam afectados pela revolta. A partida frente ao Beira-Mar, referente à penúltima jornada do Campeonato de 1961/62, por ordem do Ministro da Educação, seria adiada. Todavia, a ideia da falta de comparência, em solidariedade com a luta, manter-se-ia bem viva no seio do plantel. Com a última ronda a aproximar-se, as conversas sobre que posições haveriam de tomar, passariam o tomar conta das rotinas do balneário. Tendo a maioria dos jogadores decidido participar no embate frente ao Sporting, Chipenda, com a mulher e os companheiros de equipa, França, Araújo e José Júlio fugiriam para o Algarve e daí, usando para a travessia uma traineira, escapariam para Marrocos.
O passo seguinte levá-lo-ia a Angola, onde Chipenda viria a tornar-se num dos dirigentes do MPLA e figura de proa da luta pela independência. Conta-se que, já como comandante da “Frente de Leste”, mandaria parar as manobras militares, por razão da hipotética presença no contingente português do seu antigo colega na Académica, o também avançado Jorge Humberto. Já em 1974, em Lusaka, e como mentor de uma das facções em discordância com Agostinho Neto, viria a ser eleito líder do movimento. Mais tarde, viria a juntar-se ao FNLA, para, na década de 1990, regressar ao MPLA.
*retirado do artigo de Victor Andrade de Melo, “Jogando no olho do furacão: o desporto na Casa dos Estudantes do Império (1944-1965)”, publicado em “Análise Social, 223, LII (2.º)”, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2017
**retirado de http://oindefectivel.blogspot.com, publicado em Fevereiro de 2019, citando um artigo de António Simões, em “A Bola”
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