843 - VICENTE

Vicente ou, se preferirem, Vicente Lucas nasceu como o irmão mais novo de Matateu. No seu sangue também corria o gosto pelo futebol e, tal como o avançado, seria o 1º de Maio que o lançaria para o estrelato. Da moçambicana Lourenço Marques, hoje Maputo, sairia igualmente em direcção a Lisboa. Chegava como uma estrela e a multidão que o esperava à saída do barco assim o afiançava. Os adeptos do Belenenses, ajudados pela imprensa portuguesa, apelidaram-no de “Matateu II”. Todavia, o jovem atleta tratou logo de sublinhar as diferenças. E assim era: tanto na privacidade das suas casas, como em campo, os dois eram homens bem distintos.
Posicionava-se, preferencialmente, em tarefas defensivas. Contudo, e contrariamente a tantos colegas de posição, Vicente não era desprovido de técnica. Apesar de ser enorme nos desarmes, gigante nas marcações, a bola, uma vez a seus pés, era bem tratada. Era também evidente a sua inteligência. O posicionamento em campo denunciava-o como alguém entendedor da dinâmica de jogo. O momento exacto em que atacava os lances era um corolário dessa sua sabedoria. Ainda assim, havia mais! Esse mais, essa modéstia, essa abnegação posta em tudo o que fazia, tornaram-no num bom exemplo. Por tudo isso vingou no seu clube; por tudo isso vingou desde que pôs os pés nas Salésias até à sua despedida, já em pleno Estádio do Restelo.
Com o Belenenses venceria a Taça de Portugal de 1959/60 e 2 Taças de Honra da AF Lisboa. No entanto, seria de “quinas ao peito” que o médio defensivo alcançaria maior sucesso. A sua estreia pela principal selecção portuguesa, ele que também vestiu as cores da equipa “militar” e “B”, dar-se-ia em Junho de 1959. Depois desse particular frente à Escócia, vitória por 1-0 com um golo do irmão, o seu nome passaria a ser presença habitual nas convocatórias. As 20 internacionalizações que, durante 7 anos, conseguiria alcançar, confirmá-lo-iam como um dos melhores intérpretes do futebol luso.
Ainda nessas caminhadas com Portugal disputaria o Mundial de 1966. Em Inglaterra, muito mais do que ajudar a equipa a atingir o 3º posto, Vicente transformar-se-ia numa das estrelas do certame. Frente ao Brasil, ainda na fase de grupos, caber-lhe-ia a ingrata tarefa de marcar Pelé. Não ficou intimidado. Aliás, já noutras ocasiões tinha sido entregue ao médio a mesma responsabilidade. Em todas elas a empreitada seria cumprida com excelsa competência – “Ele tinha qualquer coisa comigo que não me podia ver, o que sucedeu desde a primeira da meia dúzia de vezes em que nos defrontámos. A verdade é que mesmo com a bola dominada eu chegava e desarmava-o sem lhe tocar. Não sei como, não sei explicar. Era assim (…). Eu tinha um jeito especial para antecipar as coisas que ele fazia. Nas primeiras vezes, a malta dizia-me. «Vicente, o Pelé vai dar cabo de ti». Eu respondia que isso não me interessava e jogava apenas o que sabia”*.
Apesar de ter pouco mais de 30 anos de idade, após o Campeonato do Mundo a carreira de Vicente precipitar-se-ia para o fim. Em Outubro de 1966 vê-se envolvido num acidente de viação, onde perderia uma vista. A mazela deixada pelo desastre, impediria o jogador de prosseguir a sua vida como futebolista profissional. Depois de abandonar os relvados, o antigo internacional manter-se-ia ligado à modalidade. Como treinador principal o seu percurso ficaria marcado pela discrição. As suas experiências nessas funções quedar-se-iam por emblemas mais modestos. Nessa caminhada, também ficaria ligado aos quadros técnicos do Belenenses. Tanto nas camadas jovens, como nas tarefas de adjunto ou, como aconteceria na temporada de 1981/82, como interino, o seu trabalho seria marcado pela seriedade com que sempre enfrentou todos os desafios.

*adaptado da entrevista publicada em www.record.pt, a 26.11.2015

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