Para Carlos Queiroz, à imagem de tantos outros portugueses, também houve um antes e um pós 25 de Abril. Sem querer entrar no caminho das discussões ideológicas, sociológicas ou de entrar noutro campo qualquer que não o da bola, atrevo-me a dizer que para o jovem Carlos, a “Revolução dos Cravos” só veio trazer-lhe coisas boas.
Bem longe de Lisboa, em Moçambique, ainda jogou à baliza do Ferroviário da sua terra natal, Nampula. No entanto, seria com a vinda para Portugal e com a entrada para o Instituto Superior de Educação Física que a sua vida, verdadeiramente, ficou alinhada com o futebol. Concluída a formação académica e dono do, tão grato, título de "Professor", Carlos Queiroz haveria de ter a primeira experiência como técnico, numa equipa sénior, ao serviço do Estoril-Praia. Porém, apesar de estar sob a alçada de Mário Wilson e de, como adjunto, ganhar o traquejo necessário para alavancar a carreira, o seu destino estava talhado para orientar as jovens promessas do futebol luso e nessa senda, onde tinha passagens pelas “escolas” de alguns clubes, acabou, em 1987, convidado a integrar os quadros da Federação Portuguesa de Futebol.
Não foi necessário muito tempo até que a sua metódica maneira de compreender o futebol começasse a dar frutos. Em Fevereiro de 1989, Portugal, na Arábia Saudita, dava os primeiros passos para a conquista do Mundial sub-20. Por certo, poucos esperaram tamanho sucesso; poucos esperaram que, num contexto com selecções como o Brasil, a Alemanha ou Argentina, os desconhecidos jovens portugueses conseguissem afirmar-se como os melhores. Tão poucos eram os que acreditavam que nem mesmo Carlos Queiroz, já depois do troféu ganho, tomou consciência do feito – "Só começamos a perceber a verdadeira dimensão daquilo quando aterrámos em Lisboa. Ninguém estava à espera daquela recepção, daquela espontaneidade, daquela dimensão"*.
Apesar da pressão que estava sobre a sua cabeça, Carlos Queiroz não vacilou. Continuou a comandar os jovens "lusos" no caminho do sucesso e em Maio de 1989 venceu o Europeu sub-16. Já após outra enorme conquista, a do Mundial sub-20 de 1991, disputado em Portugal, o treinador deve ter achado que era tempo de conseguir afirmar-se no universo dos seniores. O convite que surgiu foi fácil de aceitar. De alguma forma dava continuidade ao trabalho que vinha a fazer e com naturalidade aceitou o convite para dirigir a selecção principal. Contudo, os sucessos a que nos vinha habituando, acabaram por não ter seguimento e Portugal falhou tanto o apuramento para o Euro 92, como para o Mundial de 1994, nos Estados Unidos da América.
O passo seguinte e o único, até aos dias de hoje, à frente de um primodivisionário em Portugal, deu-o em Alvalade. Depois de, bem ao seu estilo e com uma declaração polémica – "É preciso varrer a porcaria que há na federação portuguesa"** – ter abandonado o cargo de seleccionador, conseguiu pelo Sporting, apesar de nunca erguer o tão almejado troféu de campeão nacional, o que há muito não se via por aquelas bandas, ou seja, títulos. Nesse contexto, venceu a Taça de Portugal de 1994/95, a Supertaça do ano seguinte e seria laureado com 2 Prémios Stromp. Ainda assim, tais êxitos não foram suficientes para convencer a direcção "Verde e Branca" que era ele o homem certo para o lugar de timoneiro, acabando por ser despedido pelo Presidente Pedro Santana Lopes.
O episódio de saída de Alvalade marcou o começo do que tem sido a identidade da sua carreia, ou seja, um verdadeiro périplo pelo mundo fora. Esteve nos norte-americanos dos MetroStars, foi até ao Japão para comandar os Nagoya Grampus, passou pela selecção dos Emiratos Árabes Unidos e chegou até ao leme dos "Bafana Bafana". Na África do Sul voltou aos sucessos. Começou por conseguir o apuramento da equipa nacional para o Mundial de 2002. Todavia, quando tudo estava a conjugar-se para que fizesse a estreia em tão importante certame, desencadeou-se um nova polémica entre o treinador e os dirigentes da federação e Carlos Queiroz viu-se afastado da Fase Final do torneio disputado entre a Coreia do Sul e o Japão.
Ainda assim, há males que vêm por bem e o seu afastamento abriu-lhe as portas de um dos maiores emblemas da Europa. No Manchester United, como adjunto de Sir Alex Ferguson, Carlos Queiroz viu a sua reputação a subir em flecha. Foi tão bom o acréscimo de fama que, passado um ano sobre a sua chegada a Inglaterra, surgiu o Real Madrid. Tal presente, de boa parecença, estava, no entanto, (meio) envenenado. Se bem recordam, em 2003/04 vivia-se na capital espanhola o auge da era dos "Galácticos". Pelos "Merengues" alinhavam jogadores como Figo, Ronaldo, Beckham, Casillas, Raul, etc. Claro que, no meio de tantas estrelas, o choque de egos foi enorme. Incapaz de gerir tamanhos caprichos e, ainda assim com uma Supertaça vencida, o seu reinado na capital espanhola foi bem pequeno.
De volta a Old Trafford, por lá ficou durante quatro temporadas. Conquistou tudo o que havia para conquistar, mas aquilo que Queiroz mais queria, a promessa de suceder a Sir Alex Ferguson, nunca veio a concretizar-se. Talvez, farto de estar à espera, abraçou o regresso a Portugal e agarrou-se aos comandos da "Equipa das Quinas". Na ressaca da era Scolari, o treinador ainda conseguiu a qualificação para o Mundial de 2010. Já na África do Sul, com uma equipa considerada das mais fracas dos últimos anos, ainda assim, atingiu os oitavos-de-final. Porém, mais uma vez, as polémica começaram a pairar. A primeira celeuma começou por envolver o seleccionador e uma equipa da Autoridade Antidopagem de Portugal, ainda no contexto do estágio de preparação e sublinhada por uma acesa troca de insultos. Nova controvérsia
A querela, dessa feita, começou por envolver o seleccionador e uma equipa da Autoridade Antidopagem de Portugal. A contenda, ainda no contexto do estágio de preparação e sublinhada por uma acesa troca de insultos, veio a alastrar-se, muito à custa do parco resultado conseguido no Campeonato do Mundo, a jogadores e aos dirigentes federativos. Todos, como ao jeito de arranjar um bode expiatório, pareciam estar contra Carlos Queiroz. Como é óbvio, o treinador acabou afastado do cargo e, pior ainda, entraria numa disputa judicial por razão da suspensão aplicada pela, já referida, entidade de antidopagem.
Já depois de tudo isto, o técnico assumiu funções na selecção do Irão. Mais uma vez, contra todas as probabilidades, qualificou a selecção do Médio Oriente para o Campeonato do Mundo de 2014. No entanto, há coisas que nunca mudam e Carlos Queiroz voltou a envolver-se numa troca de palavras com os responsáveis directivos, tudo por causa da duração do estágio de preparação para o torneio disputado no Brasil.
*retirado da entrevista conduzida por João Bonzinho, publicada em Janeiro de 2007, na revista “A Bola – a fantástica viagem da geração de ouro”.
**retirado do artigo de Ricardo Gouveia, publicado a 19/11/2009, em https://maisfutebol.iol.pt
Bem longe de Lisboa, em Moçambique, ainda jogou à baliza do Ferroviário da sua terra natal, Nampula. No entanto, seria com a vinda para Portugal e com a entrada para o Instituto Superior de Educação Física que a sua vida, verdadeiramente, ficou alinhada com o futebol. Concluída a formação académica e dono do, tão grato, título de "Professor", Carlos Queiroz haveria de ter a primeira experiência como técnico, numa equipa sénior, ao serviço do Estoril-Praia. Porém, apesar de estar sob a alçada de Mário Wilson e de, como adjunto, ganhar o traquejo necessário para alavancar a carreira, o seu destino estava talhado para orientar as jovens promessas do futebol luso e nessa senda, onde tinha passagens pelas “escolas” de alguns clubes, acabou, em 1987, convidado a integrar os quadros da Federação Portuguesa de Futebol.
Não foi necessário muito tempo até que a sua metódica maneira de compreender o futebol começasse a dar frutos. Em Fevereiro de 1989, Portugal, na Arábia Saudita, dava os primeiros passos para a conquista do Mundial sub-20. Por certo, poucos esperaram tamanho sucesso; poucos esperaram que, num contexto com selecções como o Brasil, a Alemanha ou Argentina, os desconhecidos jovens portugueses conseguissem afirmar-se como os melhores. Tão poucos eram os que acreditavam que nem mesmo Carlos Queiroz, já depois do troféu ganho, tomou consciência do feito – "Só começamos a perceber a verdadeira dimensão daquilo quando aterrámos em Lisboa. Ninguém estava à espera daquela recepção, daquela espontaneidade, daquela dimensão"*.
Apesar da pressão que estava sobre a sua cabeça, Carlos Queiroz não vacilou. Continuou a comandar os jovens "lusos" no caminho do sucesso e em Maio de 1989 venceu o Europeu sub-16. Já após outra enorme conquista, a do Mundial sub-20 de 1991, disputado em Portugal, o treinador deve ter achado que era tempo de conseguir afirmar-se no universo dos seniores. O convite que surgiu foi fácil de aceitar. De alguma forma dava continuidade ao trabalho que vinha a fazer e com naturalidade aceitou o convite para dirigir a selecção principal. Contudo, os sucessos a que nos vinha habituando, acabaram por não ter seguimento e Portugal falhou tanto o apuramento para o Euro 92, como para o Mundial de 1994, nos Estados Unidos da América.
O passo seguinte e o único, até aos dias de hoje, à frente de um primodivisionário em Portugal, deu-o em Alvalade. Depois de, bem ao seu estilo e com uma declaração polémica – "É preciso varrer a porcaria que há na federação portuguesa"** – ter abandonado o cargo de seleccionador, conseguiu pelo Sporting, apesar de nunca erguer o tão almejado troféu de campeão nacional, o que há muito não se via por aquelas bandas, ou seja, títulos. Nesse contexto, venceu a Taça de Portugal de 1994/95, a Supertaça do ano seguinte e seria laureado com 2 Prémios Stromp. Ainda assim, tais êxitos não foram suficientes para convencer a direcção "Verde e Branca" que era ele o homem certo para o lugar de timoneiro, acabando por ser despedido pelo Presidente Pedro Santana Lopes.
O episódio de saída de Alvalade marcou o começo do que tem sido a identidade da sua carreia, ou seja, um verdadeiro périplo pelo mundo fora. Esteve nos norte-americanos dos MetroStars, foi até ao Japão para comandar os Nagoya Grampus, passou pela selecção dos Emiratos Árabes Unidos e chegou até ao leme dos "Bafana Bafana". Na África do Sul voltou aos sucessos. Começou por conseguir o apuramento da equipa nacional para o Mundial de 2002. Todavia, quando tudo estava a conjugar-se para que fizesse a estreia em tão importante certame, desencadeou-se um nova polémica entre o treinador e os dirigentes da federação e Carlos Queiroz viu-se afastado da Fase Final do torneio disputado entre a Coreia do Sul e o Japão.
Ainda assim, há males que vêm por bem e o seu afastamento abriu-lhe as portas de um dos maiores emblemas da Europa. No Manchester United, como adjunto de Sir Alex Ferguson, Carlos Queiroz viu a sua reputação a subir em flecha. Foi tão bom o acréscimo de fama que, passado um ano sobre a sua chegada a Inglaterra, surgiu o Real Madrid. Tal presente, de boa parecença, estava, no entanto, (meio) envenenado. Se bem recordam, em 2003/04 vivia-se na capital espanhola o auge da era dos "Galácticos". Pelos "Merengues" alinhavam jogadores como Figo, Ronaldo, Beckham, Casillas, Raul, etc. Claro que, no meio de tantas estrelas, o choque de egos foi enorme. Incapaz de gerir tamanhos caprichos e, ainda assim com uma Supertaça vencida, o seu reinado na capital espanhola foi bem pequeno.
De volta a Old Trafford, por lá ficou durante quatro temporadas. Conquistou tudo o que havia para conquistar, mas aquilo que Queiroz mais queria, a promessa de suceder a Sir Alex Ferguson, nunca veio a concretizar-se. Talvez, farto de estar à espera, abraçou o regresso a Portugal e agarrou-se aos comandos da "Equipa das Quinas". Na ressaca da era Scolari, o treinador ainda conseguiu a qualificação para o Mundial de 2010. Já na África do Sul, com uma equipa considerada das mais fracas dos últimos anos, ainda assim, atingiu os oitavos-de-final. Porém, mais uma vez, as polémica começaram a pairar. A primeira celeuma começou por envolver o seleccionador e uma equipa da Autoridade Antidopagem de Portugal, ainda no contexto do estágio de preparação e sublinhada por uma acesa troca de insultos. Nova controvérsia
A querela, dessa feita, começou por envolver o seleccionador e uma equipa da Autoridade Antidopagem de Portugal. A contenda, ainda no contexto do estágio de preparação e sublinhada por uma acesa troca de insultos, veio a alastrar-se, muito à custa do parco resultado conseguido no Campeonato do Mundo, a jogadores e aos dirigentes federativos. Todos, como ao jeito de arranjar um bode expiatório, pareciam estar contra Carlos Queiroz. Como é óbvio, o treinador acabou afastado do cargo e, pior ainda, entraria numa disputa judicial por razão da suspensão aplicada pela, já referida, entidade de antidopagem.
Já depois de tudo isto, o técnico assumiu funções na selecção do Irão. Mais uma vez, contra todas as probabilidades, qualificou a selecção do Médio Oriente para o Campeonato do Mundo de 2014. No entanto, há coisas que nunca mudam e Carlos Queiroz voltou a envolver-se numa troca de palavras com os responsáveis directivos, tudo por causa da duração do estágio de preparação para o torneio disputado no Brasil.
*retirado da entrevista conduzida por João Bonzinho, publicada em Janeiro de 2007, na revista “A Bola – a fantástica viagem da geração de ouro”.
**retirado do artigo de Ricardo Gouveia, publicado a 19/11/2009, em https://maisfutebol.iol.pt
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