Quando falo em legado, refiro-me àquilo que nos é deixado,
àquilo que nos é transmitido por outros. Para alguns de nós, tal definição,
como um destino já traçado, não poderia ser levado menos à letra. Vejamos um
exemplo. Benjamin Scolari foi jogador do Aimoré e posicionava-se em campo como
defesa central. Já o seu filho, um tal de Luiz Filipe, escolheria para se
iniciar - ou teria sido empurrado?! - a posição de defesa central... no
Aimoré!!! Bem, não sei se conseguiram entender as semelhanças! Adiante!
Pois é, aquele que hoje é um dos nomes incontornáveis do
futebol mundial, também foi jogador. É normal que a sua carreira não tenha sido
muito badalada, já que as suas habilidades dentro de campo também não eram
assim tão extraordinárias. O que também não é menos verdade, é que aquilo que
lhe faltava em jeito era compensado por uma grande vontade. Foi esse seu querer
que o levou ao Caxias.
No emblema do Rio Grande do Sul, Scolari conheceria os
palcos mais importantes do "Brasileirão". A maneira aguerrida como
enfrentava cada lance, mas, principalmente, aquilo que dentro de campo era
reconhecido como uma verdadeira voz de comando, eram as suas principais armas.
Foi à custa delas que se manteve durante vários anos no dito emblema; contudo,
seria à custa da última que se faria treinador.
Já depois do Caxias e de curtas passagens pelo Juventude e
Novo Hamburgo, Scolari chega ao CSA de Alagoas. É aí que decide "pendurar
as chuteiras", e, sem que o soubesse, dar início a uma carreira de enorme
sucesso. Por esta altura, estávamos no início do anos 80 e o nome de Luiz
Filipe Scolari pouco peso tinha no desporto. No entanto, os anos vindouros
alterariam, radicalmente, esse cenário. Posso dizer que tudo começou a mudar em
1991. É certo que, até então, já tinha vencido o Campeonato Alagonano com CSA
(1982) e o Campeonato Gaúcho com o Grêmio (1987); é certo que tinha
conquistado, ao serviço do Al Qadisiya (Kuwait), a Kuwait Emir Cup de 1989...
mas a verdadeira mudança, essa, aconteceria ao "leme" do Criciúma.
No emblema de Santa Catarina, Scolari venceria a Copa do
Brasil. Com o título nacional, a ideia que os dirigentes tinham de si,
alterou-se. Chegou, já depois de mais uma passagem pelo médio oriente, a vez do
Grêmio voltar a apostar nele. Em boa hora o contratariam, pois se da sua
primeira passagem por Porto Alegre pouco mais há a dizer, já da segunda há
muito mais do que conversa!
Num plantel onde pontuavam nomes como os de Jardel (FC
Porto, Sporting e Beira-Mar), Paulo Nunes (Benfica), Carlos Miguel (Sporting)
e, ainda, Emerson (Milan), Danrlei (Beira-Mar) ou Nildo (Gil Vicente), Scolari
conseguiria conquistar o seu primeiro grande troféu internacional. A Taça dos
Libertadores de 1995, a juntar a uma série de outros títulos nacionais, era a
confirmação de que "Filipão" era um treinador de gabarito. Para quem,
ainda assim, duvidou das suas capacidades, o técnico voltaria a mostrar que
nada no seu percurso era sorte. Desta feita no Palmeiras, venceria mais uma vez
a dita competição (1999), provando que a "mão de ferro" com que geria
os seus planteis eram a principal razão do seu sucesso.
Já com um percurso invejável, é em 2001 que Scolari assume
as rédeas da "Canarinha". O objectivo desenhado para esta nova
aventura, tinha tanto de inequívoco como de ambicioso... nada mais, nada menos,
que o "Penta" para a selecção brasileira! O primeiro passo deste
trajecto, seria conseguido com a qualificação para o Mundial do ano seguinte.
Já na Coreia e Japão, bastaram 7 vitórias, em 7 partidas, para que Scolari
escrevesse o nome do Brasil como o primeiro país a conseguir 5 títulos mundiais
de futebol.
O que veio a seguir aproximou Scolari de todos nós.
Portugal, à beira de organizar o Euro de 2004, precisava de um técnico de incontestável
categoria. Se a escolha do brasileiro, desportivamente, parecia a mais
acertada, o que ninguém estaria à espera era de tudo o resto! Ora, para mal dos
nossos pecados, a "Equipa das Quinas" perderia o Europeu frente à
Grécia; dois anos passados, conseguiríamos o 4º lugar no Mundial da Alemanha.
Contudo, Scolari haveria de ser muito mais do que o futebol esgrimido nas
"quatros linhas". Para a memória fica a maneira como conseguiu reunir
um país à volta da sua equipa; ficam as bandeiras à janela ou as procissões
atrás do autocarro! Também é impossível esquecer episódios como o passado com o
sérvio Dragutinovic - "Ele ia bater
no menino [Quaresma] e eu defendi-o" - ou a conferência de imprensa, após
assegurar a qualificação para o Euro de 2008 - "(...) e o burro sou
eu?!".
Ainda no decorrer do torneio organizado entre a Suíça e a
Áustria, Scolari é anunciado como o novo treinador do Chelsea. A experiência
seria curta, pois desentendimentos com o dono do clube londrino, Roman
Abrahmovic, levariam à dispensa do técnico. Curiosamente, este despedimento dá
inicio a uma fase menos brilhante da sua carreira. A mesma, continua no
Azerbeijão (Bunyodkor), tem uma passagem desastrosa pelo Palmeiras, até que, em
2013, mais uma vez assume o papel de seleccionador do Brasil. O pior é que a
desilusão foi enorme. Todos pensaram que o "mentor" do
"Penta" seria, também ele, o "timoneiro" do
"Hexa". É verdade, as coisas até começaram bem!!! Mas depois veio a
Alemanha e afastamento nas meias-finais por 7-1!!! Logo de seguida a partida dos
3º/4º lugares e, frente à Holanda, nova derrota por 3-0!!! Deste modo, Scolari
serviria de exemplo a uma máxima bem antiga: no futebol, rapidamente se passa
de bestial a besta!
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