458 - VÍTOR BAÍA

Ao ouvir três versões sobre a transferência de Vítor Baía para os “Dragões”, e não tendo descortinado qual a verídica, hoje, excepcionalmente, deixo aos nossos leitores escolherem a melhor opção para iniciar esta história!
VERSÃO I – Dizem que o treinador da Académica de Leça, com o intuito de minimizar as perdas para o seu plantel, ao saber da presença de um membro do “staff” do FC Porto, “olheiro” que chegava para observar um avançado e um guarda-redes, tomaria a decisão de pôr a jogar o guardião suplente. Puro engano! O elemento que normalmente ocupava o banco agradaria e, para além de ficar sem Domingos, o técnico também veria Vítor Baía partir na direcção das Antas.
VERSÃO II – Já outros afirmam que Domingos, no dia de prestar provas nos “Azuis e Brancos”, terá ido acompanhado por um amigo. Estando os responsáveis do FC Porto à espera de um guardião, não terão dado pela troca de identidades e, ao chamar a testes o tal comparsa do referido atacante, ficariam agrados com a prestação de… Vítor Baía.
VERSÃO III – A terceira história, em abono da verdade, não difere muito da segunda, ou seja, dizem que Vítor Baía realmente acompanhou Domingos. Contudo, juram que a viagem a dois terá sido a mando do treinador de ambos e que, a tal manobra de diversão, terá sido arquitectada de maneira a enganar os “Portistas” que queriam antes o guarda-redes titular da Académica de Leça.
Independentemente de como chegou ao FC Porto, o certo é que o guardião rapidamente saberia conquistar um lugar na colectividade portuense. Já para o seu pai, a opção de uma vida como desportista não seria recebida da melhor forma. Para o Sr. Manuel Baía, guarda-fiscal de profissão, a prioridade para os filhos, à parte das outras actividades em que estavam inseridos, tinham de ser os estudos. No entanto, tanta coisa junta – escola, treinos e jogos – começaria a atrapalhar o quotidiano do jovem Vítor. Assim, ao decidir informar o progenitor da escolha pelo futebol, como podem imaginar, a discussão instalar-se-ia. Felizmente, o seu pai reconsideraria na proibição e o jovem jogador haveria de prosseguir a carreira. Ainda bem que tudo assim ocorreu, pois, pouco tempo depois, devido à lesão Mlynarczyk no decorrer da campanha de 1988/89, Vítor Baía acabaria como o escolhido para ocupar o lugar de titular na baliza "azul e branca".
Com essa chamada de Artur Jorge ao "onze" inicial, Vítor Baía, nome habitual no escalonamento titular da selecção portuguesa de sub-20, abdicaria da participação no Mundial disputado na Arábia Saudita. Boa escolha, dirão uns. Má, dirão outros. Todavia, o que podemos concluir é que a tal opção faria com que o jovem guarda-redes conseguisse cimentar o seu lugar na equipa. De seguida, com o à-vontade com que havia chegado ao FC Porto, também conseguiria tornar-se num dos ídolos dos adeptos. Dono das redes dos “Dragões”, passaria a ser uma das figuras habituais nos relvados portugueses. As suas exibições mostrá-lo-iam como um prodígio. A maneira como abordava os lances, a capacidade que tinha para controlar todo o espaço a si entregue, fariam com que a confiança nas suas capacidades aumentasse. Por todas essas razões, o treinador referido no começo do parágrafo, o mesmo que o havia elevado a titular nas lides portistas, chamá-lo-ia aos trabalhos da principal selecção lusa. A 19 de Dezembro de 1990, o atleta conseguiria a primeira de 80 internacionalizações com as cores lusas. Com a “camisola das quinas" participaria nos maiores certames mundiais de futebol. Faltar-lhe-ia a chamada de Scolari ao Europeu de 2004, organizado em Portugal. Injustamente, digo peremptoriamente. Até porque, nesse mesmo ano, acabaria eleito como o melhor da Europa na sua posição.
Outra coisa que não conseguiria alcançar na selecção seriam títulos. Já com as camisolas dos clubes por si representados, o FC Porto e o FC Barcelona, não é possível dizer-se o mesmo. Vítor Baía, inclusive, haveria de chegar ao topo da lista de futebolistas com mais troféus conquistados na história do futebol. Assim, como podem imaginar, a lista de troféus é extensa. Contudo, nunca é demais relembrar que o guardião, só no plano das provas organizadas pela UEFA/FIFA, tem no currículo vitórias em 1 Taça dos Vencedores das Taças, 1 Supertaça Europeia (ambas pelo emblema catalão), 1 Liga dos Campeões, 1 Taça UEFA e 1 Taça Intercontinental (estas ao serviço dos “Dragões”).

457 - CARLOS MANUEL

Começaria bem cedo a mostrar imensa habilidade para a prática do desporto. Acabaria a experimentar o hóquei em patins, o ténis de mesa, mas o futebol emergiria como a paixão maior e os internacionais Vítor Damas e Peres como os seus grandes ídolos. Tentou o FC Barreirense. Disseram-lhe para vir na semana seguinte. Então, decidiu-se pela CUF. Nos treinos de captação chamaria à atenção dos responsáveis técnicos. Entre tantos jovens a tentarem a sorte e a acabarem preteridos (Chalana, um deles!), Carlos Manuel seria aceite e, alguns anos depois, a temporada de 1975/76 viria a marcar a sua estreia na primeira categoria da equipa “fabril”.
Com um jogo musculado, por certo reflexo da vida como metalúrgico da CP, mas cheio de técnica, rapidez e visão de jogo, Carlos Manuel facilmente conseguiria um lugar de destaque no “onze” da CUF. Depois da estreia na 1ª divisão e de outras duas épocas passadas no segundo escalão, um impasse nas negociações para a renovação do seu contrato, levá-lo-ia a aceitar o convite de Manuel Oliveira, treinador dos rivais do FC Barreirense. A verdade é que a qualidade do jogo por si apresentado durante a campanha de 1978/79, depressa faria com o que o Estádio D. Manuel de Mello viesse a transformar-se num palco pequeno demais para o médio. A prova de tal aferição surgiria um ano depois, com FC Porto e o Sporting já na corrida, com a transferência para o Benfica. Na Luz, logo no ano da sua chegada, a constância exibicional levá-lo-ia a chegar à principal selecção lusa. Seguir-se-iam, nas épocas seguintes, as conquistas de 4 Campeonatos Nacionais, 5 Taças de Portugal e 2 Supertaças. Faltar-lhe-ia o troféu a consagrar de toda uma geração nas “Águias”, a Taça UEFA de 1982/83, perdida na final para o Anderlecht. Ainda assim, teria o mérito de atingir outras metas. Marcaria presença no Euro 84 e repetiria a convocatória para o Mundial de 1986. Aliás, o grande momento da qualificação a si ficaria directamente relacionado quando, na última jornada dessa campanha, em Estugarda, o jogador concretizaria um golo espectacular, a selar a vitória frente à Republica Federal da Alemanha. Já no certame realizado no México, a história seria bem diferente. Assombrada pelo "Caso Saltillo", a prestação de Portugal ficaria, também no campo desportivo, manchada. Nesse contexto, o centrocampista transformar-se-ia num das principais caras pelas revindicações feitas pelos atletas e após a chegada a Lisboa, tal como tinha prometido, não mais envergaria a “camisola das quinas”.
Estranha seria também a história da sua saída do Benfica, com o jogador, a meio da temporada de 1987/88 a transferir-se para o FC Sion. Muita controvérsia emergiria da partida do médio, com o nome de Gaspar Ramos a ser indicado como o principal responsável pela ruptura entre o atleta e o emblema lisboeta. Dir-se-ia muito mais, com o referido dirigente benfiquista hipoteticamente a oferecer 5000 contos ao médio, para que não mais regressasse aos “Encarnados”. Voltaria a Portugal para, na temporada de 1988/89, passar a representar o Sporting. Apresentado como um dos principais trunfos conseguidos pelo Presidente Jorge Gonçalves, a qualidade das suas exibições transformá-lo-iam num dos melhores jogadores da época. Tais prestações dar-lhe-iam um prémio, com Manuel José, no ano seguinte ao da sua entrada em Alvalade, a nomeá-lo capitão. Ganharia também o Prémio Stromp. Todavia, o termo da sua ligação com os “Leões” chegaria com a contratação de um novo técnico – "Com Raul Águas só jogavam os amigos"*. Já resto da carreira fá-la-ia de passagens pelo Boavista e pelo Estoril Praia. Aliás, seria no clube da "Linha de Cascais" que Carlos Manuel faria a transição para a carreira de treinador. Nessas funções passaria por inúmeros emblemas nacionais, tais como Salgueiros, Sporting, Sporting de Braga, Campomaiorense ou Santa Clara. Também teria experiências em África, onde assumiria as funções de técnico no 1º de Agosto de Angola e de seleccionador nacional da Guiné-Bissau.

*retirado de de “100 figuras do futebol português”, de António Simões e Homero Serpa, A Bola, 1996

456 - HUMBERTO COELHO

Não sou um grande fã de comparações e, por certo, também não o serão aqueles que são alvo das mesmas. Ainda assim, há algumas similaridades que têm o condão de deixar-nos orgulhosos. Nesse sentido, para um defesa-central conseguir ostentar o epiteto de "Beckenbauer Português" é, sem sombra de dúvidas, um desses bons exemplos. A alcunha é pertença de Humberto Coelho e, só por si, dá logo para aferir a qualidade da sua carreira.
Começou bem novo e, desde cedo, mostrou características de um atleta imponente, daqueles que, só pelo nome, faz tremer qualquer adversário. Aos 18 anos já fazia a estreia com a camisola principal das "Águias". Incrivelmente, num plantel que apresentava a maioria dos jogadores que haviam disputado as 5 finais europeias pelo Benfica, o jovem Humberto Coelho conseguia impor-se como titular. Ainda nessa temporada de 1968/69, o brilhante desempenho conseguido nas provas nacionais valeu-lhe a primeira chamada à selecção nacional. Os sucessos como profissional sucediam-se-lhe. A cada partida, o atleta crescia mais, tornava-se maior. O seu jogo aéreo era impressionante; o seu sentido posicional era um estrondo; a maneira como tomava consciência de tudo o que corria à sua volta era só para os predestinados. Para além de tudo isso, tinha outras coisas que faltavam à maioria dos praticantes da sua posição: sabia jogar com os pés e marcava muitos golos.
Todos esses predicados deram ao Benfica a segurança necessária para a conquista de muitos títulos. Pelos "Encarnados" venceu, no cômputo de duas passagens a perfazerem 14 temporadas, 14 títulos: 8 Campeonatos Nacionais, 5 Taças de Portugal e 1 Supertaça. Já em 1975 viu surgir a proposta do Paris Saint-Germain. Para a capital gaulesa, abalava da "Luz" aquele que, no distante Verão de 1968, numa tournée pelo Brasil, Otto Glória tinha incumbido de "anular" Pelé – "Eu marquei-o e ele não marcou nenhum golo"*. Contudo, em França, o desempenho da equipa a jogar em casa no Parc des Princes acabou por não ser condizente com a sua qualidade. A somar ao desaire colectivo, uma grave lesão num joelho já no decorrer da segunda época, pôs Humberto Coelho à margem das escolhas para o "onze". Pensou em sair. Em sentido contrário aos seus intentos, a direcção do clube parisiense tentou vendê-lo para o Internacional de Porto Alegre. No entanto, para o defesa-central a ideia de tal transferência estava longe do conceito de idílico. Ainda assim viajou para o Brasil. Na bagagem levava o intuito de arruinar as negociações. Conseguiu-o, exigindo um salário astronómico.
Regressou a Lisboa, mas pelo meio fez ainda, habitual naqueles tempos, uma passagem pelos Estudos Unidos da América, ao serviço dos Las Vegas Quicksilver. Voltava, para a temporada de 1977/78, um dos grandes símbolos do Benfica. Humberto Coelho era grande. Ainda assim, não o era somente pelas capacidades futebolísticas. Quem com ele partilhou os relvados, sabe, melhor do que ninguém, que o antigo defesa era um líder, era a voz de comando, o indivíduo certo para lidar fosse que grupo fosse. Por essa razão exibiu a braçadeira de capitão, tanto no Benfica, como por Portugal. Com a "camisola das quinas" conseguiu ainda outro feito: o de igualar Eusébio no recorde de jogos internacionais. Todavia, se o orgulho em representar o seu país foi sempre inegável, foi também com as cores lusas que veio a precipitar o fim da carreira e essa malfadada partida entre Portugal e a Finlândia não só resultou numa grave lesão, como fez com que o jogador perdesse a oportunidade de disputar um grande certame de selecções, o Euro 84.
Já depois de "penduradas as chuteiras", Humberto Coelho passou à condição de treinador. Começou no Sporting de Braga, passou pelo Salgueiros, mas o grande momento nessas funções viveu-o por Portugal. Apurou a selecção para o Euro 2000 e no torneio organizado entre a Holanda e a Bélgica conseguiu o brilharete de, no "Grupo da Morte", composto igualmente por Inglaterra, Alemanha e Roménia, passar para a fase seguinte, em primeiro lugar. De seguida, conduziu o conjunto luso até às meias-finais e só não chegou à derradeira partida do certame por causa, como temos na memória, de um controverso penalty.

*retirado de “101 Cromos da Bola”, Lua de Papel, Rui Miguel Tovar, Março de 2012

455 - DAMAS

O mais incrível é que hoje podia estar a falar de Damas… o avançado. Não sei quem o fez mudar de ideias, mas, segundo consta, o sonho do miúdo Vítor era de jogar no ataque às redes. Acabou a defendê-las, pois, muito acima do que eram as habilidades apresentadas com os pés, estava o jeito revelado com as mãos. Por certo não veio a arrepender-se da escolha. No entanto, teve muito trabalho para conseguir afirmar-se como um dos melhores na posição. Quem ia ver os treinos das camadas de formação leoninas, contava que por lá andava um rapaz de aparência elástica. Diziam os mesmos que Travassos, após o fim das ditas sessões, ficava a rematar à baliza e que o jovem bem reclamava pelo descanso – "sô Zé, não posso mais"*. Nunca, ninguém o viu desistir. Foi essa resiliência, as exibições impossíveis, sobre-humanas, a torná-lo num dos ícones dos “Leões”. Foram muitos os momentos a sublinhar a sua singularidade. Como exemplo, temos a eleição como o melhor jogador em campo, numa partida em que o Sporting, em pleno Estádio da Luz, acabou por perder por 5-1. Qual a razão? Uma prestação simplesmente magistral!
Com tamanhas qualidades, Damas pareceu andar sempre um passo à frente do que era suposto. Chegou ao Sporting pela mão de um vizinho que, lado a lado com o futebol, também era atleta na equipa de ténis de mesa. Aos 15 anos, Vítor Damas já estava nos juniores, para aos 19, no jogo de despedida de Vicente Lucas e pela primeira vez na carreira, calçar as luvas na equipa principal. Bastaram-lhe 2 épocas para destronar o mítico Carvalho. A naturalidade revelada, a maneira exuberante de entrar aos lances, as estiradas acrobáticas, toda a segurança que dava ao último reduto leonino, fizeram-no manter o estatuto de titular e conseguiu conservar o lugar no “onze” nas últimas 8 das 10 temporadas que fizeram a sua primeira passagem pelo clube lisboeta.
Saiu para Espanha. Antes, já tinha alimentado os periódicos com uma verdadeira novela quando, no decorrer da temporada de 1975/76, informou os responsáveis pelo Sporting que não ia renovar. Gerou-se o burburinho com o boato de uma hipotética mudança para o Estádio das Antas. Escreveu-se que o guarda-redes, também dono da baliza de Portugal, iria seguir José Maria Pedroto, assinando pelo FC Porto. O que realmente aconteceu, não sei. A verdade é que no início da temporada de 1976/77, Damas foi apresentado como atleta do Racing Santander, onde ficou 4 anos.
Por certo que a ida para Espanha trouxe a Damas algumas vantagens. Chegou a ser eleito o melhor estrangeiro a actuar na "La Liga". No entanto, acabou por perder o lugar de titular na selecção, dizem que por vingança de José Maria Pedroto, responsável técnico pela equipa lusa, para o benfiquista Manuel Bento. Curiosamente voltou a Portugal para trabalhar com o referido treinador. Fê-lo no Vitória Sport Clube, tendo daí passado para o Portimonense. O regresso ao Sporting deu-se apenas depois de Damas ter sido convocado para o Euro 84. Tão tarde?! Chegou com 32 anos; jogou até aos 41. Pelo meio ainda mereceu outra chamada para um grande torneio. Esteve no Mundial de 1986, onde, após a lesão de Bento, assumiu a titularidade.
Retirou-se em 1989, mas manteve-se no Sporting, onde assumiu funções técnicas. Em muitos colegas, como em Manuel Fernandes, deixou saudades e especialmente boas recordações – “O Damas foi um fenómeno (…). Um dia, era ele júnior do Sporting, foi jogar ao Montijo. Eu era criança e fiquei tão fascinado ao vê-lo que quis ser guarda-redes durante uns tempos (…). Guardarei para sempre a memória de um grande companheiro e de um guarda-redes a quem vi fazer coisas incríveis”**.

*retirado do artigo publicado a 21/08/2008, em www.dn.pt
**retirado de “Os 100 magníficos” (Zebra Publicações), Rui Dias, 2012.

454 - TRAVASSOS

É curiosa a maneira como o destino por vezes entra na nossa vida ou como, com antecedência, somos alertados para o devir do nosso caminho. Com Travassos passou-se exactamente isso. Nasceu em Lisboa, na Quinta do Lumiar. Talvez o nome não diga muito à maioria. No entanto, consigo dar-vos uma pista para que logrem entender as primeiras linhas deste texto! Nesse sentido, posso falar-vos da bancada nova do antigo Estádio de Alvalade! Pois é, o famoso atacante nasceu no mesmíssimo lugar onde, anos mais tarde, veio a erguer-se a referida estrutura da “casa” leonina. O mais engraçado é que a tal premonição chegou a estar em perigo. Conta-se que o avançado, ao decidir prestar provas no Sporting, foi aferido como franzino demais para a prática desportiva. O treinador Jesef Szabo terá mesmo aconselhado o jovem futebolista a comer mais batatas com bacalhau, acabando por recusar o seu ingresso nos “Verdes e Brancos”.
Pela razão acima exposta e porque no Barreiro também tinha a garantia de emprego, Travassos arribou caminho para a Margem Sul. No GD CUF, onde veio a estrear-se como sénior na temporada de 1943/44, o avançado, mesmo a disputar o 2º escalão, rapidamente começou a despertar a atenção de outros emblemas nacionais. Então, surgiu no seu encalço o FC Porto. Com o “namoro” encetou-se mais uma das típicas ”novelas” do futebol luso. Depois de apalavrado o acordo com os “Dragões”, apareceu o Sporting a esconder o atleta algures em Torres Vedras, enquanto tentava um acordo com o emblema fabril. Mais uma vez, surgiram os “Azuis e Brancos” a conseguirem convencer o atacante a viajar para o Norte. Já na "Cidade Invicta", talvez por um misto de culpa e de paixão pelo clube lisboeta, o jogador tomou a decisão de telefonar aos “Leões” e acabou a informá-los do seu paradeiro.
Com o fim do imbróglio, o atacante veio mesmo a assinar pelo emblema do coração. No novo colectivo, a inteligência revelada em campo, a maneira fácil como punha os outros colegas a jogar e a uma técnica irrepreensível, garantiram-lhe o espaço no "onze" do Sporting. Com a sua chegada e com a contratação de Vasques, ambos a entrar no clube na temporada de 1946/47, ficava completa aquela que foi a linha avançada mais famosa do futebol português ou como o jornalista Tavares da Silva a baptizou, "Os Cinco Violinos". Essa portentosa equipa leonina, onde também couberam, para além do atleta já referido neste parágrafo, Peyroteo, Albano e Jesus Correia, acabou a dominar o cenário competitivo luso no final dos anos de 1940 e durante uma boa parte da década de 1950. Por essa razão, o palmarés do interior-direito transformou-se num rol de troféus deveras faustoso e a incluir as vitórias em 8 Campeonatos Nacionais, 1 Campeonato de Lisboa e 2 Taças de Portugal.
Apesar do sucesso conseguido dentro de fronteiras, nada mais o projectou internacionalmente que a chamada à selecção da UEFA. Nunca antes um futebolista português tinha tido tamanha honra. Diz-se que Travassos estava de férias na Costa da Caparica quando recebeu a boa-nova. Como estava parado há algum tempo, decidiu pelos próprios meios e para não fazer má figura durante a partida, recuperar a boa forma física. Nesse desafio disputado em Belfast, a 13 de Agosto de 1955, o atacante cotou-se como um dos melhores em campo e tal desempenho valeu-lhe o epíteto, pelo qual ficou conhecido para o resto da vida, do "Zé da Europa".

453 - VIRGÍLIO

Nascido no Entroncamento, foi no Ferroviário local que Virgílio deu os primeiros pontapés na bola. Tão auspiciosa foi a sua estreia que logo o Benfica quis contratá-lo. Foi passar 3 semanas a Lisboa, para que pudesse, às ordens de Vítor Silva, antigo atleta das "Águias" e treinador dos juniores, mostrar as suas qualidades. Não agradou. Por razão do chumbo voltou à terra natal e aos ofícios de serralheiro mecânico. No entanto, a maneira como disputava cada partida, deixava os responsáveis de outros clubes, cada vez mais, embevecidos pelas suas habilidades. Surgiu "O Elvas" na corrida. Porém, o salário oferecido não compensava o facto de deixar a sua profissão. Então, um dia, em plena oficina onde trabalhava, aparece Soares dos Reis. A pessoa em causa era, nada mais, nada menos, do que o antigo guarda-redes internacional e figura incontornável do Futebol Clube do Porto. A sua missão era simples e passava por convencer o jovem rapaz a ir treinar-se ao Campo da Constituição. O jogador aceitou e tão bom ar deu de si que o treinador Joseph Szabo já não o deixou partir.    
Ao contrário das características que mais contribuíram para a sua enorme reputação, Virgílio começou por jogar a interior-esquerdo. Só mais tarde, já com algum tempo nos "Azuis e Brancos", é que o argentino Alejandro Scopelli o recuou no campo, para jogar a defesa-esquerdo. Finalmente, seria o técnico Eládio Vaschetto a indicar o caminho certo e a mostrar-lhe a direita como o lado a fazê-lo famoso. Sim, seria nesse lado do sector mais recuado que o atleta faria da sua carreira algo de notável. Para ele o segredo era simples e passava pela entrega ao futebol. Esmiuçando: era um praticante apaixonado, corajoso, generoso em todas as fases do jogo. Tinha também um sentido táctico tremendo, fazendo-o, tantas vezes, arrancar pelo terreno de jogo para auxiliar os colegas do ataque. Foram essas as características que, a 27 de Fevereiro de 1949, levou para dentro de campo. A partida a opor Itália a Portugal, apesar da categoria derrota lusa por 4-1, ainda assim fez sobressair alguns nomes lusos. Pela maneira incansável como lutou até ao fim do “match”, Virgílio, a estrear-se com a “camisola das quinas”, foi um desses atletas a merecer rasgados elogios. Apesar da primeira internacionalização, nunca acusou qualquer nervosismo, assumiu com bravura a responsabilidade do desafio, rubricou uma exibição memorável e, pela maneira como anulou o extremo Carapelese, ganhou para a eternidade o epiteto de “Leão de Génova”.
A partir desse momento ganhou uma legião invejável de fãs. Tal fenómeno fez com que os grandes colossos do futebol europeu começassem na sua peugada. Real Madrid e FC Barcelona perfilaram-se como os principais emblemas a projectarem-se como a nova morada do atleta. Todavia, a devoção e sentido de gratidão pelos “Dragões” foi suficiente para que recusasse todos os convites. Manteve-se pela colectividade da “Cidade Invicta”, no total da sua carreira, por 16 temporadas. Venceu 2 Campeonatos Nacionais e 2 Taças de Portugal, com a vitória na edição de 1955/56 da “Prova Rainha” a transformar-se na primeira a entrar para o palmarés do FC Porto. Voltou a negar a mudança de cidade quando o Celta de Vigo pôs em cima da mesa uma proposta milionária e sobre o episódio chegou a dizer: "trocar de camisola apenas por dinheiro, se não era violentar o coração e o clube, era, pelo menos, aceitar viver como um mercenário"*.

*retirado de “101 Cromos da Bola”, Lua de Papel, Rui Miguel Tovar, Março de 2012

452 - FRANCISCO FERREIRA

Pelo amor à modalidade, Francisco Ferreira, juntamente com um grupo de amigos, decidiu fundar os Tigres do Telheiro. Quis a felicidade que, numa partida do referido emblema, o jovem jogador fosse observado por Josef Szabo. Descoberto pelo técnico luso-magiar, ainda muito novo começou a envergar a camisola do FC Porto. Na colectividade da “Cidade Invicta” e com apenas 17 anos de idade, chegou à primeira categoria. Logo nessa época de estreia, numa final frente ao Sporting, ajudou os “Dragões” a conquistar o Campeonato de Portugal de 1936/37. O pior aconteceu quando, com o final da temporada à vista, decidiu exigir um aumento de salário. Como resposta obteve o seguinte ultimato: "O senhor ou assina a ficha ou põe-se na rua, porque não queremos malandros cá dentro a pedirem dinheiro"*. Ao sentir-se ofendido pela maneira como os dirigentes portistas tinham abordado a questão, prometeu, peremptoriamente, nunca mais vestir a camisola dos “Azuis e Brancos”. Então, entrou em cena Ilídio Nogueira, importante adepto benfiquista que, ao saber do sucedido, encaminhou o médio para as “Águias”. Já em Lisboa, o atleta recebeu a visita de Carlos Pereira, antigo colega no conjunto nortenho, a tentar convencê-lo a regressar. De personalidade forte, apelo algum fê-lo voltar atrás na palavra jurada e nem a promessa de um contrato ao nível dos melhores jogadores do FC Porto resultou num arrependimento da decisão a levá-lo até à capital.
Com a mudança de colectividade, Francisco Ferreira encetou um ciclo de 14 temporadas a vestir de “encarnado”. No Benfica a partir de 1938/39, a maneira implacável como encarava a disputa de todos os lances, o jeito destemido e abnegado, acabou por fazer dele um símbolo do emblema lisboeta. Ainda assim, não era um virtuoso com a bola nos pés, nem procurava fintar os adversários. Contudo, era pragmático o suficiente para saber que a sua melhor arma era o desarme, era a maneira como sabia impor-se defensivamente. Pelas “Águias” venceu e fez vencer. Ganhou 4 Campeonatos Nacionais e 6 Taças de Portugal e só não participou na vitória da Taça Latina de 1950, pois, por essa altura, encontrava-se lesionado.
Apesar da paixão pela modalidade, o futebol também trouxe ao médio canhoto uma das maiores angústias da vida. A triste história, numa altura em que era um dos indiscutíveis da selecção, começou por altura de uma deslocação de Portugal a Génova. Após o termo da partida frente a Itália, o Presidente do Torino, o Comendador Novo, impressionado com o seu desempenho, pediu para falar com ele. Com o propósito inicial da conversa a desenovelar um convite para passar a envergar a camisola da colectividade transalpina, os argumentos apresentados a Francisco Ferreira, entre os quais estava um contrato milionário, transformaram-se em esforços infrutuosos. Seguiu-se uma troca de contactos, com o atleta a guardar o cartão oferecido pelo dirigente. Algum tempo depois, numa altura em que já pensava retirar-se da competição, por razão de uma possível partida de homenagem, o internacional luso que, com 25 chamadas, chegou a deter o recorde de presenças em campo com a “camisola das quinas”, telefonou ao líder dos “Granata”. Em Lisboa, o Torino, possivelmente uma das melhores equipas da altura e com jogadores como Valentino Mazzola, viu-se derrotado por 4-3. Todavia, a proeza rapidamente foi esquecida, pois, na viagem de regresso, o avião a transportar toda a comitiva italiana despenhou-se, matando todos os que nele viajavam. A notícia da tragédia correu mundo. Compreensivelmente, o choque do desastre aéreo atingiu o espírito do capitão benfiquista que, no intuito de amenizar a dor das famílias dos malogrados, decidiu doar às mesmas todo o dinheiro angariado no encontro em seu tributo.
Francisco Ferreira prosseguiu, por mais duas épocas, a vida como profissional de futebol. Depois da inauguração do Estádio das Antas, onde o Benfica venceu por 8-2, o capitão decidiu anunciar, ainda em pleno balneário, o fim da carreira. Os seus colegas anuiriam às suas explicações. No entanto, fizeram-lhe um pedido final, ou seja, que médio os comandasse numa última partida. Assim foi e num Estádio Nacional do Jamor apinhado de gente, o Benfica venceu, frente ao Sporting (5-4), a Taça de Portugal de 1951/52.

*retirado de “100 figuras do futebol português”, de António Simões e Homero Serpa, A Bola, 1996

451 - SOEIRO

Tendo começado a carreira no Luso do Barreiro, com a entrada na equipa principal a acontecer na campanha de 1928/29, Manuel Soeiro Esteves Vasques desde cedo começou a demonstrar uma vincada veia goleadora. Ainda a representar o emblema da Margem Sul do Rio Tejo, o avançado seria convocado pela primeira vez a representar a selecção portuguesa futebol. Logo na estreia com a “camisola das quinas”, como era o seu apanágio, o atleta não deixou os créditos em mãos alheias e brindou a partida frente à Jugoslávia, naquela que foi uma vitória lusa por 3-2, com um golo da sua autoria.
Já a gozar de um enorme destaque, tanto pelos desempenhos com a camisola do Luso, como com as cores de Portugal, Soeiro começou a despertar a cobiça do Sporting. Com a mudança a acontecer em 1933/34, também na primeira partida pelos “Leões”, dessa feita frente ao FC Barreirense, o atacante veio a concretizar um golo. No entanto, o segredo para o seu sucesso, êxito mantido ao longo da carreira, não estava cingido às habilidades que exibia dentro de campo. Nesse sentido, o avançado sempre foi aferido como um atleta deveras regrado. Por exemplo, conta-se que, após ter sido descoberto por Filipe dos Santos, antigo futebolista internacional leonino, o jogador continuou a manter o hábito de sair da cama de madrugada para, ainda em casa, repetir os exercícios físicos que aprendera nos treinos do emblema anterior. Tanta dedicação valeu-lhe a devoção dos adeptos. Tal admiração alimentou-a, como é lógico para alguém na sua posição, com muitos golos. Conseguiu, desse modo, tornar-se num dos melhores marcadores da história do Sporting e atingiu a espantosa marca de 209 remates certeiros, em 219 partidas.
Pela selecção nacional as suas marcas também foram dignas de registo. Pode dizer-se que, durante os anos de 1930, foi um dos atletas que mais vezes envergou a "camisola das quinas", acumulando, numa altura em que os desafios entre as equipas a representarem de países eram escassos, um total de 10 internacionalizações e 5 golos.
Por tudo o que foi dito, Soeiro ficará para sempre na história do futebol português como um dos mais prolíferos avançados de todos os tempos, conseguindo atingir o topo da lista dos melhores marcadores na 1ª edição do Campeonato da I Liga (1934/35), repetindo a proeza em 1936/37. No entanto, houve outro factor a merecer grandes louvores, isto é, a capacidade das suas exibições não perderem qualidade aquando dos momentos decisivos. Um bom exemplo, ocorrido no final da primeira temporada de “leão ao peito”, foi o derradeiro encontro do Campeonato de Portugal, em que, frente ao FC Barreirense, marcou 4 golos.
Mais uma curiosidade. Soeiro é tio de Vasques, acabando por ter sido ele um dos principais responsáveis pela ida do sobrinho, que fez parte da linha ofensiva conhecida como os “5 Violinos”, para o Sporting.

450 - JORGE VIEIRA

Por culpa do tempo, que tem por hábito esbater as conquistas e qualidades daqueles que já não estão entre nós, muitos não terão conhecimento que Jorge Vieira foi um dos nomes incontornáveis do futebol português. Sim, isto é um facto. Contudo, a piada é que o antigo atleta do Sporting é merecedor de figurar nos livros, não só pelo que fez dentro de campo… Huuummm! Não é bem assim! Bem, isto está a tornar-se muito complicado, não é? Então é melhor irmos com calma e contar as coisas uma de cada vez.
Jorge Vieira era ainda um miúdo quando descobriu a paixão pelo futebol e sobretudo o amor que tinha pelo Sporting. Foi por essa razão que decidiu sair de casa no Dafundo e percorrer a pé, com apenas 9 anos de idade, os quilómetros que separavam a sua morada do lugar onde o Sporting ia jogar, ou seja, o Campo da Quinta Nova, em Carcavelos. Para quê?!, perguntam vocês. Para assistir a um pouco de história; para assistir ao primeiro "derby" entre as "Águias" e os "Leões".
Foi essa mesma vontade que o fez prestar provas no clube do seu coração. Ficou. Começou nas categorias mais baixas, mas aos 17 anos já era parte integrante da equipa principal. Dizem que, pelo físico, o seu caminho fez-se na defesa. Aí era dono e senhor de um belíssimo jogo de cabeça e exímio no que aos desarmes diz respeito. Ainda assim, Jorge Vieira não era só “destruição”. Também sabia pôr a bola em andamento e um esférico nos seus pés, adepto que era do estilo inglês do futebol directo, transfigurava-se, velozmente, num lançamento para os colegas que procuravam a contra-ofensiva.
Jorge Vieira transformou-se num dos símbolos leoninos. Era uma atleta admirado mas, essencialmente, era um Homem respeitado pela conduta integra que sempre mostrou dentro de campo. Quando Francisco Stromp, em 1924, decidiu abandonar a competição, o defesa tomou o seu lugar como capitão de equipa. Incontestável no Sporting e dono de uma inegável qualidade, por essa altura também já era um dos nomes habituais da selecção. Aliás, a sua estreia com a "camisola das quinas" coincidiu com a primeira partida da mesma, o mítico Espanha - Portugal de 18 de Dezembro de 1921. Pelo nosso país, onde nos 18 primeiros jogos do conjunto luso só falhou apenas um, também chegou a capitão. Foi nessa condição que caminhou nos Jogos Olímpicos de 1928 e comandou, ao envergar a braçadeira, os colegas no primeiro grande certame internacional em que Portugal participou.
Até podia acabar assim a história de Jorge Vieira, mas a verdade é que estaria a cometer uma grande falha. Parece que estou a esquecer-me de algo muito importante, não é? Claro que não! Como tentei, de forma atabalhoada, dizer no início deste texto, o defesa não foi só um grande futebolista. Enorme conhecedor das regras do jogo, acabou por ser chamado, em 1921, a arbitrar uma partida. Foi desse modo que, no Espanha - Bélgica disputado em Bilbao, o jogador, para além de um imenso atleta, passou igualmente a ser o primeiro árbitro internacional português.

100 ANOS DE FPF

Tenho, como sabem, a tradição de comemorar muitas efemérides, principalmente quando elas são próximas do contexto luso. No entanto, perdoem-me se ofendo alguém, este mês cumpre-se um dos aniversários mais importantes do desporto português. Não tem só a ver com o número redondo que dá um centenário, contagem só por si digna de registo, mas também pelo facto de ser a história daquela que gostamos de apelidar como a "equipa de todos nós". Assim, no mês em que comemora o 100º aniversário, o "Cromo Sem Caderneta" dá os parabéns à Federação Portuguesa de Futebol.